São Paulo, segunda-feira, 13 de novembro de 1995
Texto Anterior | Próximo Texto | Índice

Centenário esnoba Georges Méliès

Pioneiro tem ciclo só em Tókio

AMIR LABAKI
DA EQUIPE DE ARTICULISTAS

Nas celebrações deste centenário do cinema com tantos pioneiros (Edison, Lumière, Skladanowsky, Paul), um dos mais importantes tem sido inexplicavelmente marginalizado: Georges Méliès (1861-1938).
A única extensa retrospectiva de Méliès acontece neste mês no National Film Center de Tóquio. A pátria do cineasta, que se autodenomina também do cinema, a França, nada similar programou. O descontentamento dos herdeiros levou-os a neste ano restringirem ainda mais o acesso ao seu acervo.
Méliès, claro, está longe de esquecido, mas sua contribuição por certo não tem sido devidamente destacada neste ano de fáceis mitologizações. O legado dele, como introdutor da fantasia no cinema, tem sido exaltado mais em páginas acadêmicas do que em projeções de filmes.
Até muito recentemente, os filmes da aurora do cinema eram analisados por críticos e historiadores em relação à maior ou menor sintonia que apresentavam com o cinema narrativo clássico, tornado hegemônico a partir de 1915. A crítica desenvolvida nos últimos quinze anos por autores como Tom Gunning, André Gaudreault e Charles Musser veio por de cabeça para baixo esta concepção.
O chamado primeiro cinema, segundo eles, não era inferior em relação ao filme narrativo convencional, aquele com começo, meio e fim, mas diferente e plural. Georges Méliès seria um modelo para um novo tipo definido por Gunning: "o cinema de atrações". O que é isso? É o cinema que "está mais interessando em assombrar a audiência, estimulá-la, (...) do que a criar uma história".
O pioneirismo de Méliès para este outro cinema vai estender-se também para o campo da montagem cinematográfica, com suas experiências de trucagens finalmente tendo reconhecidas sua complexa originalidade. O "pai da fantasia cinematográfica", ou "mago do cinema", adquire finalmente status de grande cineasta, deixando para trás o estereótipo de realizador de mágicas filmadas.
Contudo, mesmo esses estudos recentes sobre a obra de Georges Méliès continuam privilegiando quase unicamente sua majoritária produção de filmes de trucagens, em que recorria à câmera como novo instrumento para mágicas.
Méliès foi muito além disso. Sua filmografia abarca quase todos os gêneros, exceção feita à animação. Méliès rodou documentários, atualidades reencenadas, comédias burlescas, "feeries", adaptações teatrais (foi dele o primeiro "Hamlet") e ficções científicas insuperáveis como "Viagem à Lua" (1902).
O melhor tributo à Méliès hoje passa por frisar a longevidade de seu legado e a pluralidade do seu talento. É preciso ir à terra do sol nascente para descobrir como o cinema floresceu.

Texto Anterior: Curta é solo de Lewgoy
Próximo Texto: Para tudo há o tempo de esperar
Índice


Clique aqui para deixar comentários e sugestões para o ombudsman.


Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Folhapress.