São Paulo, segunda-feira, 13 de novembro de 1995
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'Globo Repórter' sobre o aborto acerta

ESTHER HAMBURGER
ESPECIAL PARA A FOLHA

A ilegalidade do aborto no Brasil é assunto aberrante, caso escabroso de falta de correspondência entre as práticas sociais vigentes e a lei. A proibição coíbe o direito de opção da mulher que por sua fez o realiza de fato, na maioria das vezes culpada e em condições sub humanas. Trata-se também de um dramático assunto de saúde pública. O "Globo Repórter" da última sexta-feira ousou colocar o dedo nessa ferida.
O programa divulgou as cifras do escândalo. Convivemos com um milhão e meio de abortos clandestinos por ano. E mais, abortos malsucedidos constituem a segunda causa de morte entre mulheres brasileiras, sujeitas aos maus tratos de "açougueiros" e pessimamente atendidas pelas redes de saúde. Engravidar tornou-se um drama que nas classes populares muitas vezes termina em tragédia.
No Brasil, o aborto é legal somente nos casos muito especiais em que a gravidez resultar de estupro, ou ameaçar a vida da mãe. Trata-se de legislação limitadíssima, cumprida pelo ainda mais limitado número de três hospitais no país.
Ao abordar o tema, o documentário-reportagem global dirigido por Maria Thereza Pinheiro oportunamente rompeu o "pacto do silêncio" que faz dessa prática um dos grandes tabus de nossa sociedade. Com reportagens na França e na Inglaterra, onde o aborto é legal, demonstra que legalização aliada a atendimento médico preventivo e gratuito podem diminuir a incidência da temida heresia.
Relacionado à performance médica, o aborto se adequa perfeitamente ao formato meio "Fantástico" do "Globo Repórter". Vemos por exemplo as diversas imagens que um ultra-som é capaz de revelar do desenvolvimento de um feto. Dentro dos limites que cercam tema tão delicado, as entrevistadas aparecem sempre de costas, inqueridas por uma Isabela Assunção cuja expressão grave deu o tom do debate.
Nunca vemos os rostos das mulheres que passaram pela experiência traumática. Somente Maria Mariana, autora e atriz de "Confissões de Adolescente" admite sem pestanejar ter feito um aborto aos 17 anos. Olhando de frente para a câmera descreve com naturalidade a experiência como terrível, mas muito comum. E não se arrepende.
Segue-se a explicação da repórter sobre as condições de absoluta segurança e higiene em que Maria Mariana sofreu a intervenção. Enquanto mulheres de classe média podem ter acesso a um melhor atendimento, mulheres carentes ficam sujeitas à carnificina.
O documentário é correto e contido. Busca isenção ao entrevistar defensores e críticos da legalização. Valeu a coragem de trazer o trauma ao horário nobre. O "Globo Repórter" terminou lembrando que os 189 países signatários da resolução da Conferência de Pequim recomendam que as mulheres não sejam penalizadas pela realização de abortos.

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