São Paulo, segunda-feira, 13 de novembro de 1995
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'O Judeu' revisita anti-semitismo luso

JOSÉ GERALDO COUTO
ENVIADO ESPECIAL A BRASÍLIA

A mera exibição do longa-metragem "O Judeu", anteontem à noite, para uma platéia de cerca de mil pessoas, no 28º Festival de Brasília, já foi considerada uma vitória pelo diretor do filme, Jom Tob Azulay.
"O Judeu" deve dividir os principais prêmios do evento com "O Mandarim", de Julio Bressane, exibido na quinta-feira.
Ex-diplomata de carreira (foi cônsul em Los Angeles) e autor dos longas "Os Doces Bárbaros" (1978) e "Corações a Mil" (83), Azulay gastou oito de seus 53 anos na realização de "O Judeu", uma acidentada co-produção Brasil-Portugal que consumiu pelo menos US$ 2 milhões.
Durante as filmagens, aconteceu de tudo: primeiro acabou o dinheiro, depois morreram, sucessivamente, a atriz Dina Sfat e o ator português Felipe Pinheiro. Este interpretava justamente o dramaturgo Antonio José da Silva (1704-36), o Judeu, morto na fogueira da Inquisição em Portugal.
Há nas livrarias uma extensa biografia do personagem, "Os Vínculos do Fogo", escrita pelo jornalista Alberto Dines. Azulay conheceu Dines quando ambos faziam pesquisas sobre a Inquisição, cada um para seu trabalho.
No elenco do filme, além de Pinheiro e Dina Sfat, estão José Lewgoy, Fernanda Torres e diversos atores portugueses.
"O filme me envelheceu bastante", disse Azulay à Folha. Apesar do cansaço, esse filho de pais judeus (mãe portuguesa e pai brasileiro de origem marroquina) estava eufórico com a expectativa de ver seu filme, finalmente, ao lado de uma platéia brasileira. Até agora, o filme só teve uma exibição especial em Lisboa.
Liberado do "carma" de "O Judeu", Azulay prepara agora o roteiro de "Cartas Baianas", outra co-produção luso-brasileira. É uma adaptação do livro homônimo de Antonio Pinto da França, que compila cem cartas trocadas entre uma portuguesa que vivia na Bahia e seu marido, brasileiro que vivia em Portugal como assessor de d. João 6º, de 1821 a 1824.

Folha - Diante das inúmeras dificuldades, você pensou em abandonar o projeto?
Azulay - De jeito nenhum. Pensei em me matar, mas em abandonar o filme, nunca.
Folha - Depois desses oito anos, o resultado final é muito diferente da proposta original?
Azulay - Por incrível que pareça, não. O que houve foi um aperfeiçoamento dessa idéia inicial. O roteiro passou por muitas mãos -Gilvan Pereira, Geraldo Carneiro, Millôr Fernandes-, mas a idéia central permaneceu. As mortes de Dina Sfat e de Felipe Pinheiro nos obrigaram a depurar a estrutura do filme.
Muita coisa teve que ser refeita, claro, mas o essencial foi feito na montagem. Aprendi, fazendo esse filme, que a linguagem visual prescinde de muita coisa que achamos importante na narrativa escrita. Muita coisa que refilmamos não precisou ser aproveitada.
Quem vê o filme não vê cicatrizes ou remendos na sua estrutura. Pelo contrário: os contratempos nos levaram a descobrir, na montagem, uma narrativa mais visual, menos presa ao ranço literário.
Folha - Por que você escolheu esse personagem, o Judeu?
Azulay - Eu queria aproveitar o acordo de co-produção Brasil-Portugal, então fui buscar uma história que tivesse a ver com os dois países. Quando me deparei com Antonio José da Silva, nem acreditei. Sua história era perfeita.
Numa época em que a língua portuguesa estava sendo substituída no teatro de Portugal pelo espanhol, ele, nascido no Brasil, fez um teatro de forte raiz popular portuguesa, em português.
Além disso, a perseguição sofrida por sua família representa bem a situação do judeu em Portugal.
Eu próprio sou judeu de origem portuguesa. Meu nome, Jom Tob, significa "bom dia" em hebraico. Além de muitas outras coisas, o filme é também um acerto de contas com a minha herança.

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