São Paulo, terça-feira, 14 de novembro de 1995 |
Texto Anterior |
Próximo Texto |
Índice
Um sinônimo redentor
JOSIAS DE SOUZA BRASÍLIA - A língua portuguesa é rica. Possui mais de 100 mil palavras. Com um idioma assim tão farto, não se compreende por que diabos alguém um dia resolveu que o apelido do cidadão que financia o Estado deveria ser "contribuinte".O termo me parece, por assim dizer, impróprio. Contribuir é o mesmo que cooperar, colaborar. Pressupõe certa espontaneidade e até alguma cumplicidade. E o dinheiro do brasileiro, como se sabe, não troca o conforto do bolso pelo desassossego dos cofres públicos senão por obrigação. Agora mesmo o Congresso resolveu autoconceder-se uma folga de dez dias. Desautorizados, deputados e senadores já gostam de flanar. Com o beneplácito da direção da Casa, entregaram-se com empenho redobrado ao melhor dos ócios: o ócio remunerado. Pelo "contribuinte", é claro. O Legislativo tinha, até a semana passada, uma pressa de Senna. Dizia-se que, sob Fernando Henrique, o Brasil era um país a ser feito. Súbito, impõe-se às reformas uma marcha de Barrichello. Sem pressa, um grupo de parlamentares resolveu fazer antes a América. A pretexto de "observar" a ONU, passeiam e compram em Manhattan. Voaram de primeira classe. Têm comida e hotel de graça. Quem paga é o "contribuinte", "of course". O parlamentar é um "trabalhador" privilegiado. Costuma pegar no pesado apenas às quartas e quintas. É o único a dispor de final de semana de cinco dias. E estão pedindo aumento. Justo. Muito justo. Justíssimo. Aprovou-se outro dia no Senado uma reforma ortográfica. Salvo engano, é a terceira mudança em meio século. O objetivo é simplificar a língua e aproximar as grafias do português do Brasil e de Portugal. A reforma, ainda pendente do ok de outros países, buliu com cerca de 600 palavras. Derrubou-se um acento aqui, acrescentou-se uma letra ali, suprimiu-se outra acolá. Muito pouco. Quase nada. Deveriam ter feito algo mais ambicioso. Se a meta é simplificar, bem poderiam ter unificado os vocábulos "contribuinte" e eleitor. As duas palavras seriam abrigadas sob o guarda-chuva de um único e redentor sinônimo: idiota. Texto Anterior: Começa o governo Covas Próximo Texto: A saída Índice |
Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Folhapress. |