São Paulo, terça-feira, 14 de novembro de 1995
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O novo leitor

ANDRÉ LARA RESENDE

Leio os jornais com um olho crítico. Estou sempre me perguntando se a notícia está bem-feita, se o tom está certo, se merecia o destaque que lhe foi atribuído. Dou nota para as mudanças gráficas, avalio um possível desequilíbrio na cobertura dos temas internacionais, discuto a insuficiência de artigos de opinião, me irrito com o ziguezague editorial... e por aí vou, como um "editor-chefe-sombra" para mim mesmo.
Carioca, não dispenso "O Globo" e o "Jornal do Brasil". Em São Paulo, não posso deixar de ler a Folha e o "Estado". Leio a "Gazeta" com atenção e às vezes passo os olhos no "Jornal da Tarde". Leio ainda o "Financial Times" e até pouco tempo me sentia obrigado a dar uma folheada no "Wall Street Journal".
Domingo é um problema. Antes de mais nada é preciso acordar cedo para evitar que algum aventureiro se antecipe. Jornal lido e misturado é um terror. Não há como recompor o mínimo de ordem requerida para uma leitura eficiente. Tantas vezes me pego torcendo para que não haja nada interessante; só assim posso passar mais rápido para o próximo. Missão cumprida, todos lidos antes das 10h, é sinal de alforria, de dia ganho.
Pois domingo passado, enquanto me angustiava com a falta de tempo para a leitura, encontrei na Folha duas defesas abertas do ato de não ler jornais. Duas confissões explícitas. Fiquei intrigado. José Paulo Paes afirma, em entrevista na Ilustrada, que não lê jornais há uns dez anos. Os jornais o deixavam nervoso, ansioso e com insônia. Parou. Perdia muito tempo. Hoje defende o direito à desinformação, à proteção contra o bombardeio de informações irrelevantes.
Em excelente artigo na página 1-3, Rubem Alves se pergunta por que as pessoas lêem jornais. Segundo ele, a principal razão é para não pensar e, portanto, não sofrer. A leitura dos grossíssimos jornais seria um santo remédio contra o terror do vazio dos fins-de-semana. Achei a tese curiosa, mas não sei se concordo com ela. Até porque haverá sempre o "Fantástico". Obliteração por obliteração...
Gostei mesmo foi de sua confissão de que também não lê jornais, que apenas passa os olhos para ter idéia, não do que está acontecendo, mas do que está sendo notícia. Pois desconfio que aqui está a essência do leitor de hoje: a informação não interessa.
Quem precisa realmente da informação -como os mercados financeiros- hoje a obtém na hora. Da imprensa, espera-se muito mais do que os fatos, o comentário, a crítica de costumes, a repercussão. Queremos todos saber o que é notícia, do que está se falando, e não a notícia propriamente dita.
Não é, portanto, de espantar que a qualidade da informação sofra e que o colunismo do "disse-que-disse", do "quem é quem", do repórter de telefone com suas "fontes", tome cada vez mais espaço. Como jornalismo afinado com o desejo do público, está certo. Suas implicações para a política e a opinião pública é que me parecem complicadas. Mas isso já é outra história.

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