São Paulo, quarta-feira, 15 de novembro de 1995
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Concentração dos bancos e direitos dos minoritários

MAURO RODRIGUES PENTEADO

É salutar a pronta e forte reação às medidas baixadas pelo Poder Executivo para estimular as fusões, incorporações e cisões das instituições financeiras, pois demonstra o repúdio da sociedade a soluções de gabinete, que usurpam prerrogativas do Legislativo mercê da criação de situações econômicas e jurídicas irreversíveis, que oneram a todos os contribuintes e privilegiam setor empresarial determinado.
Questionou-se o uso, novamente, de medida provisória (nº 1.179, de 3/11/95, a 367ª só nos primeiros dez meses do governo FHC): teria a matéria tanta "relevância e urgência" a ponto de não poder ser previamente submetida à apreciação e negociação com o Congresso, mormente quando este deve conhecê-la de sobejo, pois está discutindo projeto de lei complementar que visa regulamentar o art. 192 da Constituição, que cuida do Sistema Financeiro Nacional?
Não haveria ofensa aos princípios da isonomia e da livre iniciativa, na medida em que foi estabelecida renúncia fiscal e instituída "linha especial de assistência financeira" à concentração dos bancos? Observe-se que nem mesmo no regime autoritário chegou-se a tanto, pois os incentivos fiscais às fusões e incorporações de empresas, então aprovados pelo decreto-lei nº 1.182/71, alcançavam todos os setores da economia, sem subtrair direitos dos acionistas minoritários.
Esse último ângulo bem evidencia a concepção do "pacote", na medida em que o art. 4º da MP, em sua versão reeditada, "afasta", como diz a exposição de motivos, a aplicação dos arts. 230, 255, 256, 264 e 270, parágrafo único, da lei nº 6.404/76.
Esses dispositivos da lei das S/A consagram o direito de o acionista minoritário retirar-se da companhia, com o reembolso do valor de suas ações, caso não aprove as operações de fusão, incorporação, cisão e formação de grupo societário ou as condições de pagamento e troca de ações, bem como asseguram tratamento equitativo entre os acionistas minoritários e controladores. Conquista antiga de nosso direito, o recesso vigora entre nós desde 1940, a despeito da tentativa de suprimi-lo pela lei Lobão, até agora frustrada pelo Judiciário.
Já o tratamento igualitário se justifica porque, segundo os projetistas da lei das S/A, a atribuição do ágio apenas ao controlador "conflita com os fundamentos do direito societário". Dizer que tais direitos inviabilizam as operações significa desconhecer que elas se multiplicam em outros países, como naturais "soluções de mercado", com a tutela dos minoritários e sem apoio governamental.
E discriminar as demais empresas importa olvidar que os bancos delas diferem apenas por dependerem de autorização para funcionar e pelo regime de fiscalização, administração especial temporária, intervenção e liquidação a que estão sujeitos -que não interferem com os direitos próprios dos acionistas, entre si e com terceiros.
A exposição de motivos debita a atual situação do sistema bancário à queda de eficiência verificada ao longo do processo inflacionário; mas reconhece que, "se tal fenômeno ocorreu com a maioria das empresas industriais e comerciais do país, manifestou-se 'igualmente' no caso das instituições financeiras".
Não há, assim, como discriminar, pois, sem ter que dar satisfação aos acionistas minoritários e desfrutando de incentivos fiscais e de "linha especial de assistência financeira, somente os detentores do controle dos bancos intervenientes é que irão se beneficiar nessas operações, estimuladas em homenagem à higidez do sistema financeiro.
Espera-se, portanto, que o Congresso não se quede inerte, apreciando desde logo a matéria sem permitir a reedição sucessiva da Medida Provisória nº 1.179, até que as situações criadas sob sua égide se tornem irreversíveis. E que aproveite a oportunidade para acelerar a tramitação do projeto que regula esse instrumento legislativo de que se tem valido distorcidamente o Poder Executivo.

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