São Paulo, quarta-feira, 15 de novembro de 1995
Texto Anterior | Próximo Texto | Índice

Problemas do Real

ANTONIO DELFIM NETTO

Como na maioria dos programas bem-sucedidos de estabilização, o Plano Real, depois do enorme sucesso, enfrenta problemas mais complicados. A redução da taxa de inflação (40% para 1,5% a 2% ao mês) foi feita com virtuosismo. A inflação residual em torno de 20% ao ano (que costuma acompanhar os planos bem-sucedidos) é de combate mais difícil e exige tempo e paciência.
A verdadeira âncora do real foi a política cambial, que sobrevalorizou excessivamente a moeda nacional, enquanto se reduziam, descuidadamente, as tarifas alfandegárias.
A agricultura já tinha sido muito prejudicada pela sobrevalorização do real, pela enorme taxa de juro interna, pelo descumprimento das promessas de preço mínimo e pela redução tarifária, estimulando importações subsidiadas nos países de origem, financiadas a longo prazo com juros internacionais. Essa devastação reflete-se em um fato: a produção de máquinas agrícolas foi reduzida em mais de 70% entre 1994 e 1995.
Quando começou a corrigir a sobrevalorização cambial, tardiamente, o governo verificou que a única forma de produzir relativo equilíbrio no balanço comercial seria uma grande contração do nível de atividade. Para produzi-la, gerou um "credit crunch" de proporções inauditas, tornando inadimplente o setor privado. Manteve a taxa de juro real em níveis nunca vistos, estimulando a entrada de capital volátil e destruindo as finanças públicas.
O "Boletim de Conjuntura" de outubro de 1995 do Instituto de Economia da UFRJ contém um interessante trabalho do professor Antonio Barros de Castro, que mostra os efeitos da titubeante política macroeconômica. Ela pode ser pressentida na tabela abaixo, que registra as taxas de crescimento (e decréscimo) dos setores nos períodos mencionados:

Setor Crescimento Queda
Dez 94/Jun 94 Ago 95/Dez 94
Materiais plásticos 47% -24%
Materiais de transporte 32% -24%
Mecânica 28% -35%
Têxtil 26% -34%
Indústria geral 17% -16%

Nenhum empresário pode ser chamado de "ineficiente" por ser incapaz de enfrentar, sem traumas, no espaço de seis meses, um aumento de produção de 30% e, logo depois, ser obrigado a encolher, em seis meses, os mesmos 30%. Ele foi incompetente por não conseguir impedir a "penetração" de produtos importados, beneficiados por uma política perversa de valorização cambial, redução irresponsável de tarifas e taxas de juros "escorchantes"?
Claramente não! Esse resultado é consequência da política monetária do governo que, para salvar as contas externas, tornou o setor privado inadimplente e criou, afinal, mais um problema: a necessidade de ajustar o sistema bancário nacional, agora sujeito à competição predatória de bancos estatais falidos e bancos estrangeiros de pernas bambas em seus países de origem...

Texto Anterior: Os maias
Próximo Texto: INEDITISMO; TEMPOS MODERNOS; COMO NOSSOS PAIS; AS REGRAS
Índice


Clique aqui para deixar comentários e sugestões para o ombudsman.


Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Folhapress.