São Paulo, quinta-feira, 16 de novembro de 1995
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Nunca conquistarei a Xuxa

MOACYR SCLIAR

Ele colocou a Folha de lado, na mesa do jantar, e ficou olhando para a mulher sem dizer nada. A experiência já ensinara a ela que aquele olhar não antecipava nada de bom -e ficou à espera. Não demorou e ele:
- Vamos supor, mulher -disse-, que eu faça um curso para piloto de avião. Você acha impossível?
Ela pensou um pouco. Piloto de avião, ele? Um comerciário? Um comerciário com vertigem de altura, que nunca tinha saído do chão? Mas achou melhor não contrariá-lo:
- Não, impossível não é. Você aproveita os fins-de-semana, as noites, faz seu curso. Impossível não é.
- E vamos supor -continuou ele- que eu me torne mesmo piloto. Você acha impossível?
- Não. Impossível não é.
- E vamos supor -continuou o marido, e agora já havia certo tremor em sua voz- que um dia eu receba uma missão muito especial: transportar a Xuxa. Só eu e a Xuxa num jatinho, você acha impossível?
- A Marlene não?
- Não. Não nesse vôo. A Marlene não. Você acha impossível?
Ela pensou um pouco. Poderia perguntar, mas afinal, onde quer você chegar, algo no estilo. Mas preferia evitar polêmica:
- Não. Não acho impossível.
- Muito bem. -Ele sorriu satisfeito- Ali estamos eu e a Xuxa, só nós dois no avião. Decolamos. No começo, tudo bem, afinal, eu sou um bom piloto. Aí o avião começa a jogar: um temporal, com raio e tudo! A Xuxa entra em pânico. E me diz: me salve, por favor me salve. E eu, enfrentando a tempestade, digo que ela se acalme, tudo vai terminar bem. E de fato, consigo controlar o avião, e pousamos são e salvos. Então nos olhamos e estamos apaixonados, perdidamente apaixonados... Você acha isto impossível?
- Não, não acho impossível. Mas tome sua sopa, vai esfriar.
Ele calou-se, empunhou a colher. E então olhou-a:
- Você não me compreende, mulher -disse, a voz trêmula- Você não me compreende. Enquanto você estiver a meu lado, eu nunca conquistarei a Xuxa. Porque você só pensa em sopa, mulher. Em avião, em Xuxa, em amor, você não pensa. Só na sopa.
Calou-se, sorveu uma colherada do líquido. E, mesmo furioso, teve de reconhecer: era boa, a sopa que sua mulher fazia.

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