São Paulo, quinta-feira, 16 de novembro de 1995
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Reforma da Previdência

OCTAVIO BUENO MAGANO

Grande demagogia é comparar a Previdência Social a contrato de seguro e dizer-se que, em consequência, não pode ser alterada senão para aqueles que ingressarem no mercado de trabalho depois de sua alteração.
De acordo com isso, se viesse, por exemplo, a ser abolida a aposentadoria por tempo de serviço, cujo prazo máximo de aquisição corresponde a 35 anos, a alteração, ocorrida em 1995, só passaria a ter validade no ano 2030.
Tal entendimento não se compadece com o conceito corrente de Previdência Social, a saber, instituição que, fundada na solidariedade, exige que a população ativa sustente aqueles que se hajam inabilitado para o trabalho, em virtude de contingência impeditiva, tal como a doença, o acidente e a idade avançada.
À luz de tal perspectiva, logo se vê que a aposentadoria por tempo de serviço não possui natureza previdenciária, devendo, em consequência, eliminar-se, tanto mais quanto é certo absorver mais de 50% das despesas com o pagamento de aposentadorias.
Realmente, não faz sentido que a população ativa tenha de carregar sobre os ombros pessoas no pleno uso de suas potencialidades, entre 45 e 50 anos de idade, em detrimento de enfermos, acidentados e idosos.
Sentindo o governo a necessidade da supressão do apontado disparate, ao encaminhar ao Congresso seu projeto de reforma previdenciária, teve, no entanto, a cautela de ressalvar direitos adquiridos, fazendo-o nestes termos: "Fica assegurado o direito à aposentadoria e pensão previsto na legislação vigente, à data da promulgação desta emenda, para aqueles que estejam em gozo do benefício ou que nessa data tenham cumprido os requisitos para obtê-lo (vide art. 12 do projeto de reforma)".
Corre refrão no sentido de que de médico e de louco todos têm um pouco. Mas, de um jejuno em direito, ouvir-se que a ressalva em questão não corresponde ao conceito de direito adquirido é captar petulância inadmissível.
Encontra-se, com efeito, expresso no art. 6º da lei de introdução ao Código Civil que direito adquirido é o que pode ser exercido, tal como ficou estabelecido, aliás, na ressalva em foco. Dir-se-á que o preceito legal, aqui invocado, protege também as expectativas de direito dependentes de termo pré-fixo ou condição preestabelecida inalterável a arbítrio de outrem.
Cumpre esclarecer, todavia, que o de que cuida o preceito, nessa parte, é de modalidade de atos jurídicos aplicáveis a negócios privados, nunca a atos normativos, oriundos do poder público. Não prevalecesse tal entendimento e os órgãos legiferantes ficariam totalmente paralisados, devendo, por exemplo, considerar-se ilegal a imposição constante da lei nº 9.032/95, de contribuírem para a Previdência alguns privilegiados que não o faziam (vide art. 12, parágrafo 4º).
Quanto à questão de saber se devem existir vários sistemas previdenciários, um para servidores civis, outro para militares e um terceiro para trabalhadores comuns, tudo depende da observância, em todos, das seguintes condições: a) limitação dos benefícios a salário-de-contribuição predeterminado; b) reajuste de benefícios limitado à compensação de corrosões inflacionárias; c) proibição de equiparação do montante dos benefícios ao valor de vencimentos de pessoal da ativa, como sucede hoje em relação a algumas categorias privilegiadas.
E tudo isso há de ser feito sem postergações, porque, como diria Rui Barbosa, "protelar é faltar ao dever por influência de interesses que não se podem confessar". (v. "Obras Completas", vol. 29, tomo 5, p. 150).

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