São Paulo, quinta-feira, 16 de novembro de 1995
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"As Meninas" é lição de amor ao próximo

ANTONINA LEMOS
DA REPORTAGEM LOCAL

A escritora Lygia Fagundes Telles, autora do livro "As Meninas", está satisfeita com a inclusão da obra na lista de leitura obrigatória da Fuvest. Essa é a primeira vez que um livro seu é incluído na lista. "Isso é uma prova de que o livro não morreu", diz.
"As Meninas", escrito em 1973, conta a história de três garotas que convivem em uma república, em pleno regime militar. Ana Clara se envolve com drogas, Lia vira guerrilheira na luta contra o regime e Lorena é romântica e delicada.
Em entrevista à Folha pelo telefone, na última terça-feira, Lygia falou sobre seu livro e sobre a importância da literatura na formação dos jovens. E, de quebra, ainda deu alguns conselhos valiosos. Leia trechos da entrevista abaixo.

Folha- O que você acha da inclusão de seu livro na lista da Fuvest?
Lygia- Acho muito importante. Prova que o livro continua vivo. Mostra também que o jovem está acompanhando os fatos de nosso país. Esse livro foi escrito em 73, e muitos jovens ainda vêm falar comigo sobre ele. Isso é uma prova de que o livro continua vivo. E é isso o que o escritor mais quer, que a sua obra desafie o tempo.
Folha- E você acha boa a escolha de "As Meninas" dentro da sua obra?
Lygia- Acho uma escolha muito boa. A orelha do livro, que foi escrita pelo Paulo Emílio (Paulo Emílio Salles Gomes, escritor e marido de Lygia, já falecido), diz que o livro é a vida pulsando. Foi o que pretendi fazer neste livro. Adoraria que os jovens lessem a orelha do livro. É uma maravilha.
Folha- Em que aspecto do livro você acha que o leitor deve prestar mais atenção?
Lygia- As três personagens (Ana Clara, Lia e Lorena) são uma forma de conhecimento da condição humana. O leitor tem de desembrulhar as personagens. Eu as embrulhei através da palavra. Cabe a eles desembrulhá-las através da inteligência. Acredito muito na inteligência dos jovens.
Folha- Em sua opinião, qual é a importância dos jovens terem contato com a literatura?
Lygia- O livro dá um vocabulário para o jovem que ele não tem. É muito bom saber qual é a importância da palavra. É como disse o Carlos Drummond de Andrade: "Lutar contra a palavra é a luta mais vã, no entanto lutamos mal rompe a manhã". A luta com a palavra é uma celebração. E essa é uma riqueza que só os livros podem dar. Você pode dizer "eu te amo". Mas também pode dizer isto de outras maneiras.
Folha- O livro é narrado pelas três personagens e também por um quarto narrador. Por que você fez essa opção?
Lygia- Foi uma aventura minha na linguagem. Eu entrei em um terreno que não conhecia. Criei uma linguagem nova, com pontuação diferente. De repente é a drogada que está narrando, depois é a guerrilheira, depois é a Lorena, a delicada. Isso foi uma renovação dentro do meu próprio estilo. É como se fosse quando você se apaixona. Você já amou antes, mas você recria e ama esse amor de forma diferente do que já amou antes. É o que eu fiz, provar que sei dizer de outra forma.
Folha- O que você pretendeu passar com esse livro?
Lygia- Peço que as pessoas leiam o livro para aprender a amar o próximo e a lidar com este próximo. O que ensino é a conhecer o próximo para aprender a amá-lo. O personagem é o sonho. É isso o que eu ofereço ao jovem. O sonho é insubstituível. E não é a droga que vai dar o sonho, não é a violência e nem o sexo pelo sexo. É o imaginário, a consciência. Quando eles lêem o livro, têm o imaginário provocado. O que quero passar para eles é o sonho. Um sonho de realidade e de amor.
Folha- O que você acha dos livros serem apresentados agora também em forma de resumos?
Lygia- O resumo é tristíssimo. O livro se perde completamente. É uma deformação feita por pessoas que não sabem sintetizar. Como é possível sintetizar personagens e diálogos? Preferia que ao menos lessem um capítulo. É muito melhor que ler um resumo. Eles só dizem, por exemplo, que existe uma personagem drogada. O resumo é uma forma de matar esta personagem. O que eu tento fazer é testemunhar a sociedade. Como é possível resumir isto? A graça da vida e do livro desaparecem. Seria melhor que mandassem ler apenas poucos livros, mas que os livros fossem lidos por inteiro. O livro foi feito para ser lido e não diminuído. O livro perde o estilo com o resumo. O enredo é o de menos. O que existe no livro é a criação, a graça, o mistério. Nada disso pode ser reproduzido. Acho triste. É uma forma de afastar o jovem do livro e tirar do escritor o que ele tem de mais belo. O jovem precisa ver como o escritor escreve.
Folha- E o que você acha da leitura dos livros ser obrigatória para quem vai prestar o vestibular?
Lygia- A leitura obrigatória pode parecer totalitária, mas o jovem precisa de uma certa disciplina. Não se pode deixar que eles fiquem patinando pela rua. É preciso dar uma certa regra de comportamento. Soltar completamente não é bom. O jovem tem de ter o dever para depois ter o direito à liberdade. Se for assim, ninguém mais vai para a escola. É preciso dar orientação e sentido de disciplina. Depois o próprio jovem vai agradecer. Vai achar que foi bom. Um dia eles vão ser médicos, engenheiros, políticos. Vão saber que aprenderam a lidar com o próximo através da literatura. O jovem tem de ter essa disciplina. Depois eles são livres para tomarem o caminho que quiserem.
Folha- Você fez faculdade? Teve de prestar vestibular?
Lygia- Fiz direito no Largo de São Francisco (RJ). O exame era muito severo. Foi uma época dura. Não nasci em berço de ouro, por isso tive de ter muita autodisciplina. Trabalhava fazendo um trabalho que não tinha nada a ver, colando retratos, para poder pagar os meus estudos. Eu tomava uma média depois da faculdade e ia correndo para o trabalho. Acho que é por isso que eu gosto da luta, de ver as pessoas lutando pelas coisas. Em vez de procurar a porta do desespero, da depressão, ou a porta da alienação, das drogas, é melhor entrar pela porta da lucidez, que pode te levar aos melhores lugares. É isso o que eu quero para os jovens. Sou uma sonhadora, quando o sonho me abandonar será como se eu tivesse morrido. É preciso ter a ilusão da esperança, o coração quente.

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