São Paulo, quinta-feira, 16 de novembro de 1995
Texto Anterior | Próximo Texto | Índice

Morfina para quem precisa

A regulamentação do uso de psicotrópicos no Brasil é motivo de piada. De um lado, a legislação corretamente requer receita especial que é retida pela farmácia. De outro, como admite o próprio secretário nacional de Vigilância Sanitária, Elisaldo Carlini, as receitas nunca foram recolhidas pelo poder público. Mais paradoxal ainda, pequenas farmácias pouco visadas pela fiscalização vendem livremente drogas perigosas, que jamais poderiam ser consumidas sem a supervisão de um médico especializado.
Toda essa necessária burocracia para a qual o governo não dá a mínima transforma-se, em alguns casos, num obstáculo quase intransponível para melhorar um pouco a qualidade de vida de cidadãos que estão à beira da morte. Trata-se do quase impeditivo receituário de dez folhas mais relatório sobre as condições do paciente para a aquisição de mais de cinco doses de morfina. Segundo especialistas, apenas 5% dos médicos do país teriam condições práticas de conseguir a droga para seus pacientes. Em muitos Estados, uma única farmácia da capital vende o medicamento. As esferas de controle da liberação da morfina também são centralizadas em capitais. Poucos médicos conhecem os procedimentos para obter a droga.
A morfina é um alcalóide natural do ópio e faz parte da mais poderosa família de analgésicos conhecida. O seu problema é que a dependência da droga se instala rapidamente e a superdosagem pode ser letal. Também se verifica o fenômeno da tolerância.
No caso de pacientes terminais de câncer, dos quais 85% sofrem terríveis dores resistentes a todas os analgésicos não-opiáceos, a questão da dependência torna-se um problema menor. A OMS vem, desde 85, incentivando o uso da morfina para esses pacientes, visando a dar-lhes uma existência pelo menos suportável. Seu efeito calmante também ajuda o doente a livrar-se da ansiedade diante da situação irreversível em que se encontra.
Carlini admite que o governo ainda não conseguiu resolver o problema do excesso de controle sobre a morfina. Órgãos internacionais acusam o Brasil de não tratar seus pacientes com dor. O Brasil importa 55 kg de morfina por ano. A Espanha, com uma população quatro vezes menor, 192 kg.
Nem tanto a leste nem tanto a oeste, o Brasil precisa regulamentar de forma racional os medicamentos psicotrópicos. Morfina não é aspirina e, é óbvio, tem de ser severamente controlada, mas tem também de ser acessível para os que dela necessitam. Quanto às drogas menos perigosas, mas que também exigem controle, é preciso que esse controle se dê de fato e não seja apenas uma manifestação onírica de uma burocracia distorcida.

Texto Anterior: Demolição
Próximo Texto: Dinheiro virtual
Índice


Clique aqui para deixar comentários e sugestões para o ombudsman.


Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Folhapress.