São Paulo, quinta-feira, 16 de novembro de 1995
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A verdade e a glória

CARLOS HEITOR CONY

RIO DE JANEIRO - Nunca levei a sério essa história de reencarnação. Há quem acredite nessa possibilidade, gente séria, por sinal. Outro dia, ouvi complicada história sobre Tancredo Neves. Ele seria a reencarnação de Joaquim Silvério dos Reis, por isso morreu no mesmo dia de Tiradentes, 21 de abril. Nero, Calígula, geralmente os grandes monstros da humanidade são tidos e havidos como reencarnados em diversas gerações. Napoleão fica mais para hospício do que para sessão espírita.
Aí pelos anos 50 me enfeiticei por uma senhora, morava na Tijuca, foi uma fúria furiosa até o dia em que ela me provou que era a reencarnação de Helena de Tróia. Não duvidei, apenas tirei meu time de campo. O fato de me chamar Heitor não me dava direito a ser herói novamente de uma Tróia que talvez nunca tenha existido. Parti para outra e para outras.
Volta e meia, porém, penso no assunto nas duas vias: no passado e no futuro. Se tivesse de escolher um personagem que revive em mim, gostaria de ter sido um dos amantes de Messalina -só para ver como era. Na alternativa, poderia ter sido também um dos 40 ladrões de Ali Babá. É difícil explicar essa preferência, mas ela me perturba: 40 ladrões juntos já não são ladrões, são um Estado. Tudo fica legal.
Quanto ao futuro, em primeiro lugar pretendo usufruir a atual reencarnação até o último dia a que tiver direito, e da melhor forma possível. Não tenho pressa e muito menos curiosidade de saber como são essas coisas. Agora, se tiver de voltar a este vale que a oração cristã chama de lágrimas, gostaria de vir como bandeirinha de futebol. Tenho fascinação por eles. Correm pela lateral, vão e vêm, procuram ver e auxiliar sua senhoria, o árbitro. São e não são importantes ao mesmo tempo. Sobretudo, quando sua senhoria interrompe a partida e vai consultá-los sobre o impedimento do atacante ou a mão na bola dentro ou fora da área. Da boca do bandeirinha sai a sentença -seja ela qual for. É mais do que um momento de glória. É um momento de verdade.

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