São Paulo, quinta-feira, 16 de novembro de 1995
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A segurança do presidente

ALBERTO CARDOSO

O assassinato do primeiro-ministro de Israel, Yitzhak Rabin, recolocou no foco das preocupações dos povos o tema da segurança dos chefes de Estado e de governo. A pergunta que mais se tem ouvido parte da premissa de que o Shin Bet (serviço secreto) proporcionava proteção perfeita: "Se isso ocorreu lá, o que dizer daqui?". O "lá" não me cabe comentar publicamente; o "aqui" é meu dever explicar, pois a Casa Militar da Presidência da República tem de prover segurança ao presidente, como um de seus encargos.
A questão se apresenta sob várias facetas, algumas delas pouco abordadas pelos meios de comunicação por não fazerem parte do espectro visível do conjunto de atividades. Recrutamento, seleção e capacitação do pessoal são três delas.
As Forças Armadas e a Polícia Militar do Distrito Federal são as principais fontes de fornecimento de oficiais e graduados, que compõem os quadros de adjuntos, supervisores e seguranças pessoais. Polícia Federal e Corpo de Bombeiros também participam, em menor número. A escolha é feita com base nos perfis "profissiográficos" elaborados nos órgãos de origem por intermédio de avaliações periódicas. Para se ter uma idéia desse processo, tomemos o caso do Exército: um total de cerca de 28 mil sargentos é conceituado semestralmente em 27 atributos; perfis individuais são, assim, atualizados, e menções cobrindo seis faixas, de excelente a insuficiente, são atribuídas. Somente os situados nas duas primeiras ("E" e "MB"), em todos os itens, são cogitados para requisição. Além de atributos eminentemente operacionais (como atenção, combatividade, resistência), outros são considerados igualmente preponderantes para a seleção; tato, desprendimento, equilíbrio emocional, discrição, retidão de caráter e espírito de trabalho em equipe são os principais.
A capacitação voltada especificamente para a nova atividade é feita na Subchefia de Segurança da CMPR, por meio de estágios e prática monitorada. Já se inicia de um patamar muito bom, sustentado por uma experiência profissional anterior garantida pela seleção. Alguns dos assuntos ministrados nesse período de adaptação e permanentemente revisados ou praticados durante o tempo de serviço na CMPR são: organização e segurança de comboios, princípios e fundamentos da segurança, estudo de casos reais, escolta, seleção de itinerários, planejamento das operações, produção de informações, primeiros socorros, treinamento físico, defesa pessoal, tiro etc. Verifica-se, portanto, que se dispõe de recursos humanos de muito bom nível. A ação dos chefes, internamente na Subchefia de Segurança, os transforma em equipes coesas e proficientes.
Quanto aos recursos materiais, está em curso um esforço para a obtenção de equipamentos e aparelhos modernos de comunicações, "varredura" de ambientes e detecção de explosivos, que aperfeiçoarão a capacidade atual dos especialistas, principalmente em termos de rapidez nos procedimentos.
Muito se tem falado sobre a confiabilidade dos aviões que transportam o presidente. A Força Aérea dedica aos Boeing 707 e 737 uma atenção especial. Os planos de manutenção preventiva são criteriosamente cumpridos; as inspeções técnicas são permanentes; os padrões de exigências operativas, elevados; os requisitos de treinamento e desempenho das tripulações não admitem classificação abaixo de excelente. Além disso, têm um número baixo de horas de vôo e de ciclos; em termos aeronáuticos, esses são os dados que contam, não os anos de atividade. Com 8.000 horas, cada 737 é considerado novo; e as 60 mil horas e 17 mil ciclos dos 707 os colocam abaixo da meia-vida útil dessa aeronave.
Existe a segurança perfeita?
Se fosse verdade, atentados não teriam êxito. Procura-se reduzir ao mínimo os riscos que envolvem qualquer aparição pública do presidente. Cada uma delas requer uma operação de segurança que pressupõe reconhecimentos locais, contatos, levantamento de hipóteses, mobilização de meios, planejamento e ensaios, em um nível de detalhamento compatível com o vulto e complexidade do evento. Todavia, não se está livre de imponderáveis e mesmo de falhas naqueles passos dos preparativos e na execução. Na ocorrência destes, os agentes de segurança sabem que o escudo composto por eles próprios é a última medida de proteção.
Três episódios foram bastante comentados, envolvendo a incolumidade física do presidente. Na época, em carta ao Comitê de Imprensa do Palácio do Planalto e em entrevista coletiva, apresentei os fatos como ocorreram. O chamado "encurralamento" do presidente no Centro Cultural do Banco do Brasil, no Rio de Janeiro, não aconteceu. Quando do entrevero entre agressores e a PE, o comboio presidencial -a "cápsula de segurança"- já estava fora da cena havia vários minutos.
Em Carajás, a seção do deque que cedeu não foi -nem estava previsto ser- percorrida pelo presidente. E só arriou porque, em falha na execução do planejado, não se controlou o acesso a ela, maciço e súbito, de um grupo de pessoas que deveriam estar reunidas em local seguro, a poucos metros.
Finalmente, sem trocadilho, a pedra de toque do sistema de segurança presidencial -a agressão à comitiva em Campina Grande. Falha minha, pois até então vinha evitando interditar ruas e calçadas por onde fosse passar o comboio em baixa velocidade. Como se vê, a Subchefia de Segurança, que tem um chefe direto, subordinado a mim, não permitiu riscos ao presidente nessas ocorrências nem em outras. É confiável.
Notícias como vôo de helicóptero na Amazônia em condições perigosas e entrada não-controlada de estranhos no Palácio Alvorada, creiam-me, não têm fundamento. Ao contrário, nesses aspectos reconheço que, por vezes, tendemos a um cuidado extremo.
Por fim, gostaria de expor um pouco da doutrina -ou, como se costuma dizer, do esquema- de segurança pessoal do presidente.
Na Assessoria Especial do Chefe da CMPR há uma carteira de avaliação das condições que envolverão a segurança nas viagens aos Estados ou participações do presidente em eventos no Distrito Federal. O assessor encarregado tem ligação com todos os órgãos estaduais e federais de segurança pública e de inteligência. Dispõe, dessa forma, de conhecimento sempre atualizado do que chamamos "possibilidades adversas", que são básicas para a formulação de hipóteses. Estas, por sua vez, permitem a avaliação do nível de risco na atividade prevista, o qual condicionará os procedimentos.
Durante a operação, de um modo geral, estabelecem-se círculos em torno do presidente, onde estarão definidas as responsabilidades pela segurança pessoal e pela da área, próxima e afastada. A primeira é exercida pelos agentes da CMPR; as outras duas ficam a cargo de tropas das Forças Armadas ou da Polícia Militar e são coordenadas por um oficial do Comando Militar da área. O dispositivo todo é coordenado pela CMPR.
No centro, o homem que dirige o país. Simples e autodisciplinado, facilita o trabalho de se lhe prover segurança.

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