São Paulo, quinta-feira, 16 de novembro de 1995
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A MP "mãos ao alto"

ORLANDO SILVA JUNIOR

No Brasil, ensino privado não é alternativa -é imposição de sucessivos governos que sucatearam a educação pública e a colocaram em um estado de crise constante.
As mensalidades escolares têm sido ponto constante de conflito entre estudantes e pais, de um lado, e governo e escolas, de outro. Esse conflito vem se acentuando desde o início do Plano Real, quando a educação passou a ser tratada como qualquer mercadoria. O governo tirou do Ministério da Educação a responsabilidade sobre as mensalidades e a colocou na alçada da Secretaria de Acompanhamento de Preços do Ministério da Fazenda. O resultado foi que o custo do ensino particular foi salgado em média 25% acima da inflação este ano, estrangulando o orçamento de milhares de famílias.
Ao se aproximar o final do ano letivo, foi anunciado que uma nova medida provisória seria editada para regular o tema. O governo fez uma grande encenação, ouvindo entidades e parlamentares na Comissão de Educação da Câmara. Chegaram a circular duas versões preliminares. A MP definitiva, no entanto, nada tem a ver com essas versões, sobre as quais opinaram entidades estudantis, de pais de alunos e de donos de escola. O governo optou por escrever um texto na calada da noite, jogando no lixo todas as sugestões e reivindicações dos estudantes.
Pelas novas regras, as mensalidades estão mais liberadas do que nunca. Na matrícula, pode ser embutido o possível aumento que será dado aos professores (entre março e maio) e os custos com "aprimoramento do projeto didático-pedagógico". Os arautos do Plano Real estão permitindo -e incentivando- a incorporação da inflação futura nos custos!
E mais: projeto didático-pedagógico é um conceito extremamente vago -uma avenida aberta para que se perpetuem os abusos que vêm ocorrendo. Quem vai fiscalizar o projeto didático-pedagógico em faculdades particulares, que em sua maioria sequer têm órgão colegiado ou qualquer fórum em que participe a comunidade universitária? Como essas escolas não sofrem qualquer tipo de fiscalização, não prestam conta a ninguém e têm lucros altíssimos, pode-se prever uma explosão nas mensalidades.
O governo diz que é preciso incentivar a negociação entre as partes, que não pode haver intervenção direta nos preços, regidos pelo famoso mercado. Mesmo admitindo essa lógica (que considero errada), vejamos como age o governo dos sociólogos quando se trata de outros preços e outros interesses. Aumentam os preços dos carros nacionais, o governo abaixa as alíquotas de importação e intervém, concretamente, no mercado. Com a educação, a história é diferente. Bem sabemos da impossibilidade de usar tais mecanismos nesse caso.
Mas a própria medida provisória trai a suposta intenção de negociação. Ficou prevalecendo a "livre fixação", já que o artigo 3º apenas determina que é "facultada" às partes instalar comissão de negociação. Isso quer dizer que se uma das partes, o dono da escola, não aceitar a comissão, fica valendo a mensalidade arbitrada por ele. Os descontentes que apelem para o Código de Defesa do Consumidor. Para determinar isso, o governo não precisava se dar ao trabalho de editar uma medida provisória, pois recorrer à Justiça, em qualquer situação, é direito básico de todos os cidadãos.
A União Nacional dos Estudantes havia apresentado ao governo uma proposta que previa que as mensalidades não aumentariam até a data-base dos professores, quando seriam repassados os aumentos salariais concedidos, e apresentação de planilha de custos e fiscalização da qualidade. Os reajustes dados acima da inflação em 95 seriam descontados.
Mas o governo cedeu vergonhosamente à pressão das escolas particulares e institucionalizou o assalto ao bolso de quem frequenta escola particular. As consequências logo aparecerão -evasão escolar, inadimplência e uma forte reação dos estudantes. A UNE já está organizando uma mobilização em Brasília para que o Congresso Nacional faça o que o governo se negou a fazer: ouvir a sociedade.

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