São Paulo, sexta-feira, 17 de novembro de 1995
Texto Anterior | Próximo Texto | Índice

Sicília mostra dignidade na gastronomia

HAMILTON MELLÃO JR.

HAMILTON MELLÃO
JR. Especial para a Folha
Fabrizio Corbera, príncipe de Salina, entra só na sala do bufê preparado para seus hóspedes do grande baile no qual Tomasi de Lampedusa termina o seu maravilhoso livro, "O Leopardo".
Aí, em meio a "chaud frois de vitelo", "canapes de foie gras" deitados sobre gelatina, "Mont Blanc" nevados com chantili e inúmeros outros pratos de inspiração totalmente francesa, ele pressente o começo da decadência da então poderosa nobreza siciliana.
Usando deste recurso, o autor mostra com sua sensibilidade o distanciamento entre os nobres e os pobres, pois enquanto os primeiros se esforçavam para ser os mais francófilos possíveis -desprezando os produtos da terra e seu milenar receituário; a massa do povo, com uma dignidade que só os sicilianos podem ter, mantinham com orgulho a sua gastronomia, calcada no suor e no que as pessoas conseguiam tirar daquela ilha.
Com um solo calcário e ácido, extremamente pedregoso e com condições climáticas adversas, o viver na Sicília sempre foi um exercício de fé e coragem.
Tomemos como exemplo a cotidiana "maccu", uma sopa feita com favas amassadas, misturadas com macarrão caseiro cozido à parte e temperada com erva doce selvagem, queijo de ovelha e azeite de oliva.
Este prato demonstra bem o espírito da sua rica cozinha, porém feita sempre com os produtos mais baratos. As verduras são, assim como o peixe e a massa feita com farinha e água (sem ovos), a tríade básica da sua alimentação.
Carnes, sejam de boi, porco ou carneiro, entram raramente nas suas refeições por serem custosas e virem geralmente da península.
Invadida por inúmeros povos durante séculos, a sua gastronomia guardou porém mais traços dos gregos e dos árabes, com prevalência dos últimos. Deles vieram os temperos, os aromas, os condimentos fortes, a doçaria e o sorvete chamado por eles "sorbetto", que vem do árabe "sciabat". Até a famosíssima "cassata", um doce feito com sorvetes colocados numa forma circular, deriva de "gas-at".
Em alguns lugares da ilha é ainda possível comer cuscus, não o nosso feito com farinha de mandioca ou de milho, mas o original islâmico que leva sêmola de trigo. Mas se o original é à base de carneiro, na Sicília ele foi adaptado e leva peixes na sua confecção, o que o torna mais leve e realmente muito saboroso.
O Marsala, talvez o produto mais característico da ilha, tem em tudo o caráter do siciliano: robusto e agressivo, mas suavizado pela sua doçura e generosidade.
Desconheço outra bebida que personifique tão bem a maneira de ser de um povo. Orgulhoso sim, a ponto de ter pouquíssima influência gastronômica do continente.
Por ser uma região pobre, a Sicília sempre foi uma tradicional expulsora de mão-de-obra. A cidade de São Paulo recebeu, felizmente, milhares deles. Pessoas que imprimiram seu sotaque à nossa gastronomia.
Dona Maria Montanarini comanda com maestria a cozinha da Casa Europa (alam. Gabriel Monteiro da Silva, 726, tel. 881-6688) e lá faz pratos tradicionais de sua tyerra natal, como a "pasta 'ncaciata", um penne que leva leva berinjela frita, presunto, provolone, ovos e molho de tomate; ou "olive schiacciate", uma salada de azeitonas verdes amassadas com salsão. Mês que vem ela lança um livro com suas cem receitas sicilianas prediletas.

Texto Anterior: ANIVERSÁRIO; AL MARE; CAFÉ
Próximo Texto: MINAS 1; MINAS 2; LANÇAMENTO; PERDIZ; ITÁLIA; CUBA; CARTÃO
Índice


Clique aqui para deixar comentários e sugestões para o ombudsman.


Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Folhapress.