São Paulo, sexta-feira, 17 de novembro de 1995
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Casa de ferreiro

A foto estampada na primeira página poderia facilmente sugerir que se tratava de mais uma greve num país subdesenvolvido qualquer. Pois não se tratava de greve, e a paralisação, por falta de recursos orçamentários, ocorreu nos Estados Unidos, o centro da economia capitalista mundial.
Seria apenas mais um paradoxo curioso, o de ver o centro do império econômico planetário às voltas com agruras geralmente restritas ao Terceiro Mundo, não estivéssemos expostos todos às incertezas criadas pelo que é certamente o maior problema macroeconômico global da atualidade: o desequilíbrio orçamentário dos Estados Unidos, agravado por um confronto entre democratas e republicanos provavelmente sem paralelo na história política norte-americana.
Durante muitos anos a economia mundial conheceu o que chegou a ser denominado uma convivência benigna com o déficit público dos EUA. Até pelo menos meados dos anos 60 imperava um consenso keynesiano: o déficit crescia, mas os gastos públicos estimulavam a economia norte-americana e, por extensão, a economia mundial.
Desde os anos 70, entretanto, os efeitos perversos do déficit foram aparecendo com mais clareza: em vez de estimular o crescimento econômico, surgiram primeiro inflação, depois alta dos juros e finalmente, apesar de todos os esforços coordenados, uma desvalorização crônica da moeda que supostamente seria o que de mais próximo se conheceu como moeda global.
Para evitar que a crise orçamentária se transformasse numa crise financeira, o governo norte-americano lançou mão de recursos de fundos de pensão de servidores públicos. Mais uma manobra típica de Terceiro Mundo, que não passaria pelo crivo de um FMI. Por enquanto, é pelo menos suficiente para aplacar a ansiedade dos mercados.
Mas um Estado imerso numa crise fiscal não pode, segundo pregam os economistas, emitir uma moeda confiável. Menos ainda uma moeda que, na prática, funciona como moeda mundial.
Se à crise fiscal somar-se uma crise no sistema político, como também vem ocorrendo nos EUA, as perspectivas só podem ser preocupantes para o mundo inteiro.

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