São Paulo, sexta-feira, 17 de novembro de 1995
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Pelé tem razão

O ministro extraordinário dos Esportes, Édson Arantes do Nascimento, o Pelé, está correto. É evidente que, como de hábito, ele foi infeliz na maneira de formular a sua opinião, mas, se os negros não procurarem votar em candidatos negros, a representação dessa etnia no Congresso Nacional dificilmente será alterada, o que é um imperativo, dada a desproporção entre a população e o número de parlamentares negros.
Já a sua insinuação de que a imagem dos políticos está ligada à corrupção é outra constatação óbvia, apesar de existirem políticos sérios, que não estão ligados a esquemas de corrupção e trabalham pelo que acreditam serem os verdadeiros interesses da nação.
É igualmente verdadeiro que o estereótipo do negro não está ligado à corrupção, embora esteja ligado a muitos outros aspectos considerados negativos. Se existe uma base científica para determinar se alguém é honesto ou desonesto -o que parece altamente improvável-, parece evidente que a concentração de melanina (a única diferença substancial entre negros e não-negros) não tem nenhuma relação com o caráter das pessoas.
Se a imagem do negro não está ligada à corrupção, isso ocorre não por uma virtude intrínseca à melanina, mas simplesmente porque poucos negros têm a oportunidade de chegar a cargos nos quais possam se envolver em episódios desse ilícito. De resto, negros já carregam muitos outros estigmas que dificilmente seriam alterados por casos episódicos de corrupção envolvendo membros dessa etnia.
O argumento de que não-negros podem fazer mais pelo respeito aos direitos dos negros do que eles próprios é apenas parcialmente verdadeiro. Há certas situações em que apenas os negros têm condições de defender com o devido rigor e legitimidade o respeito a seus direitos constitucionais.
Pelé já foi com alguma frequência acusado de negar sua origem africana. Quando pela primeira vez sai em defesa de sua etnia, é crucificado. Será que isso não é uma forma de racismo?

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