São Paulo, terça-feira, 21 de novembro de 1995
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Relatório ficou engavetado quase dois meses

JOSIAS DE SOUZA
DIRETOR-EXECUTIVO DA SUCURSAL DE BRASÍLIA

O relatório da Polícia Federal sobre o escândalo que envolve o ex-chefe do cerimonial da Presidência só chegou às mãos de Fernando Henrique Cardoso, principal interessado, um mês e 23 dias depois de pronto. É o que informa o Ministério da Justiça.
Concluído em 23 de setembro, o relatório dormitou por 46 dias na gaveta de Vicente Chelotti, diretor da Polícia Federal. Entregue a Nelson Jobim no dia 7 de novembro, só chegou à mesa do presidente da República no dia 14 de novembro, terça-feira da semana passada.
A versão do governo é contraditória e, se verdadeira, expõe o governo a uma sequência de absurdos. Abaixo, o relato dos fatos, passo a passo, segundo o governo:
1) O delegado da PF Mario José de Oliveira Santos recebe, entre março e agosto de 95, insistentes denúncias de envolvimento com narcotráfico de um tal Júlio César Gomes dos Santos, vulgo JC. As denúncias chegam por carta e por telefone. Mencionam o endereço do acusado, mas não o seu cargo.
2) No fim de agosto, o delegado resolve pedir à Justiça a quebra do sigilo telefônico de Júlio César. Não sabe, até então, que se trata de um assessor próximo do presidente da República.
3) O juiz Irineu de Oliveira Filho autoriza a instalação do grampo telefônico. A escuta começa no dia 1º de setembro.
4) Gravaram-se 13 fitas. Só no meio da investigação, com base no resultado da escuta, a PF concluiu que o Júlio César que investigava era o mesmo Júlio César que assessorava Fernando Henrique. Ainda assim, o delegado não comunicou nada a seus superiores.
5) À medida que ia realizando a escuta, a PF encaminhava o conteúdo para o juiz Oliveira Filho.
6) No dia 21 de setembro, verificada a improcedência da denúncia de tráfico de drogas, decidiu-se desativar a escuta telefônica.
7) No dia 23 de setembro, o delegado Oliveira Santos entrega a Vicente Chelotti, diretor da PF, relatório com o conteúdo das gravações. O documento não faz qualquer menção a drogas.
Diz que foram gravadas 13 conversas e que tais diálogos "confirmam as suspeitas, que deram origem a esse serviço, de que Júlio César realiza tráfico de influências, usando de seu prestígio e cargo no governo federal para conseguir favores e vantagens para, principalmente, empresários".
8) A despeito da gravidade das acusações, Chelotti engaveta o relatório. E, no fim de setembro, voa para a China para participar de um encontro sobre corrupção.
9) De volta ao trabalho, após 10 de outubro, Chelotti vê-se às voltas com o caso Mirândola, da bomba que explodiu no Itamaraty.
10) Só no dia 7 de novembro lembrou-se de ler o relatório envolvendo Júlio César. Assustado, entrega o documento ao ministro da Justiça, Nelson Jobim.
11) Jobim, curiosamente, retém a papelada até 14 de novembro. Só então leva a documentação a FHC.
12) Em três dias, o presidente pede explicações a seu auxiliar e decide afastá-lo do cargo. No último domingo, afasta também o ministro da Aeronáutica, Mauro Gandra. A versão do ministério da Justiça foi repassada à Folha, em caráter oficial, pela assessoria do ministro Jobim.

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