São Paulo, terça-feira, 21 de novembro de 1995
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Luz, das trevas

LUÍS PAULO ROSENBERG

O governo está passando pelo seu inferno zodiacal. Numa só semana, enquanto o desemprego continua a crescer, descobre-se que o déficit público deste ano vai ser muito pior do que se esperava, os juros excessivos realmente vão produzir um Natal com sabor de sexta-feira da Paixão, a saúde do sistema financeiro nacional exige a abertura imediata de uma UTI para instituições terminais, reformas estão empacadas no Congresso, o ministro da Aeronáutica bateu asas e voou e o mais próximo assessor presidencial é flagrado perguntando se um senador da República, cuja velocidade de enriquecimento é similar à do empresário Orestes Quércia, recebeu a parte dele no butim.
Tais fatos estão provocando uma onda de desânimo junto aos formadores de opinião. Afinal, foi o próprio candidato a presidente Fernando Henrique Cardoso quem ensinou ao povo que o ajustamento estrutural do Brasil era a condição de sobrevivência do plano.
E o que se observa? Ao invés de encolher, o setor público se expande, comprimindo o setor privado, exigindo mais impostos e provocando a recessão. Já começam a reaparecer até representantes de uma espécie que se julgava extinta, a dos coveiros do Real, profetizando o fim do plano para dentro de alguns meses.
Paradoxalmente, eu estou mais otimista do que há um mês atrás. Afinal, tudo que está acontecendo era perfeitamente previsível e foi várias vezes denunciado nesta coluna. Lamentável, é verdade, mas nada de novo.
Muito mais importante do que redescobrir que erros de pilotagem na política econômica sempre produzem efeitos danosos no futuro é perguntar: como está reagindo à sequência de péssimas notícias o arrogante governo Fernando Henrique? Com humildade e objetividade -é a resposta. Basta rever a lista de medidas anunciadas nos últimos dias:
Para estancar a hemorragia do sistema bancário, regulamentou a medida provisória de socorro, explicitando que as instituições mal geridas pagarão sua conta na fusão e os estímulos criados vão se destinar a dar um benefício fiscal que faça a diferença entre uma instituição sadia aceitar ou não a tarefa de socorrer um adversário exangue.
Justa? Não, pois usar recursos públicos para subsidiar ação de banqueiros é anátema numa nação com a distribuição de renda vergonhosa que temos. Necessária? Mais até: indispensável, pois um efeito dominó sobre bancos, nesta altura, provocaria uma cadeia recessiva que certamente pioraria a distribuição de renda existente. FHC, portanto, optou pelo impopular, porque imperativo. Sinal de maturidade política, sem dúvida.
Desde que foi para o confronto com o Congresso a fim de aprovar sua reforma administrativa, o Executivo comprometeu-se irreversivelmente com a causa da redução do gasto público. Realmente, aprovar a medida e depois não demitir ninguém é impensável.
Na mesma linha, funcionários públicos federais devem esquecer reajustes salariais no futuro próximo. O teto salarial imposto pelo salário do presidente vai cortar o ganho nababesco do marajá federal. Tudo isso abre espaço para cortes significativos nos Estados, que terão de se submeter a um verdadeiro comprometimento tipo FMI para obter a rolagem de suas dívidas junto ao governo federal. Não é tudo que precisa ser feito, mas é um passo importante na direção correta.
A reforma da Previdência, a mais importante a médio prazo, sai das mãos inábeis do atual ministro pluriaposentado e passa para o comando de pessoas chegadas ao presidente, com coragem para avançar no Congresso mudanças muito mais revolucionárias do que as paliativas que vinham sendo defendidas até aqui.
A indicação do atual vice-ministro do Planejamento para o cargo de assessor presidencial encarregado de controlar o "custo Brasil" é das mais auspiciosas novidades para quem se preocupava com a sobrevivência da empresa nacional.
Em vez de um Ministério da Indústria e do Comércio que levanta e abaixa alíquotas de importação com a fleuma com que se manobra um veleiro, o que precisamos para dar continuidade ao plano sem aniquilar nossa vocação industrial é exatamente um ombudsman que brigue dentro do governo pela redução dos custos tributário, financeiro, trabalhista, portuário etc.
Quanto à crise política, há sempre e em todo lugar funcionários públicos que ignoram o conceito de conflito de interesses. O atual governo é transparente e se diferencia por não transigir no seu rígido código de conduta, não por ter uma incidência desproporcional de escândalos.

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