São Paulo, terça-feira, 21 de novembro de 1995
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Oportunidades perdidas

ELVIO ALIPRANDI

Talvez não se encontre, na história brasileira, outro momento tão favorável como o atual para saltarmos rumo à prosperidade e ao que se convencionou chamar justiça social.
Moeda estável por mais de um ano, boa vontade da comunidade internacional, nenhuma grande adversidade à vista no cenário econômico mundial, presidente da República, governadores e Congresso renovados, apoio ostensivo da maioria da população às mudanças -tudo isso, e muito mais, está ocorrendo nos dias de hoje, em que o extraordinário avanço tecnológico ajuda a acelerar as correções de rumo e dá maior segurança às tomadas de decisões.
O que vemos, entretanto, é a sucessiva perda de oportunidades por parte de nossos governantes. Numa hora, são os juros extorsivos e outras restrições ao crédito baixadas quando já desnecessárias e ainda assim mantidas, até prorrogadas. Noutra, é o aumento dos gastos públicos, apesar das repetidas promessas oficiais de enxugamento da máquina administrativa, resultando em mais retardamento no processo de modernização.
Ao mesmo tempo, o programa de privatização patina irritantemente, os conchavos políticos entravam o andamento das reformas estruturais, a carga tributária continua insuportável e ameaçando aumentar.
Como se não bastassem todas essas oportunidades perdidas, o governo (tanto o federal quanto o estadual) agrava sua performance ao protagonizar episódios lamentáveis, como as recentes negociações com invasores de terras no Pontal do Paranapanema.
Há vários meses a imprensa vem publicando informações sérias e preocupantes sobre quem são e como agem os líderes do conhecido MST (Movimento dos Sem-Terra). Está mais que provado e comprovado que se trata de um grupo organizado, doutrinado, muito bem financiado, dotado de equipamentos atualizados, relacionado com autoridades dos mais diferentes níveis e treinado pra usar as invasões como fermento de uma ação política premeditada.
Ninguém medianamente informado pode dizer que não sabe das intenções e dos métodos do MST. No entanto, o governo (federal, estadual) recebe os líderes do MST. Mais grave ainda, vai até eles celebrar negociações. Desafiadores, eles impõem condições. Provocadores, põem-se acima das decisões judiciais. E o governo se curva, tolera, abre mão da autoridade que a maioria da população lhe conferiu e procura agradar à minoria militante que transgride a legislação impunemente.
Ao contemporizar com o infrator, os representantes do governo deixam a impressão de que qualquer grupelho organizado e audacioso pode vir a obter o que bem entenda. Parece que agora basta gritar, ameaçar, que logo aparecerá alguém do governo com panos quentes e vista grossa.
Nossas autoridades foram ingênuas -para dizer o mínimo- no episódio das conversações com os autoproclamados sem-terra. Reportagens de grande destaque deixam evidente que eles não querem terra para plantar, para desenvolver a produção agrícola. Insistem em receber incentivos, ganhar implementos, contar com financiamento a fundo perdido para, ao final, permanecer por curto período nos assentamentos improdutivos, que muitos deles acabam vendendo (mesmo conscientes de que a lei proíbe tais transações) antes de voltar a acampamentos armados às beiras das estradas, na vizinhança de propriedades que escolhem e desejam ver desapropriadas.
O pior de tudo nesse processo é a desmoralização do governo como instituição encarregada de dar as grandes linhas para que a sociedade venha a encontrar seu destino de bem-estar. Como eleitor, contribuinte, consumidor e cidadão, o brasileiro amadureceu nas últimas décadas e não aceita mais os desacertos oficiais.
De crise em crise, a empresa brasileira adaptou-se, enxugou-se, preparou-se para os novos tempos, fez a sua parte, não tem mais o que dar para suprir as deficiências governamentais. Todas as circunstâncias favorecem o governo, que tem até tempo para se emendar desde que não se enrede em novos equívocos.

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