São Paulo, quarta-feira, de dezembro de
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Espelho de irrealidade

ANDRÉ LARA RESENDE

O balanço foi divulgado na semana passada: o Banco Nacional apresentou um excelente lucro no trimestre. Nos nove primeiros meses do ano, o lucro líquido, segundo o balanço entregue à Comissão de Valores Mobiliários, foi de R$ 101 milhões.
Durante meses se falou sobre fusão entre o Nacional e o Unibanco. A triste verdade, agora vem à tona, é que o Nacional não tinha apenas um problema de liquidez.
Vamos por partes. Os bancos ganham com a inflação. Captam depósitos e retêm recursos em trânsito, pelos quais não pagam juros, mas são aplicados às altas taxas que prevalecem com a inflação. A súbita queda da inflação reduz essa receita dos bancos, que são obrigados a encontrar alternativas.
Pois bem, bancos existem e são lucrativos em países sem inflação, logo existe vida bancária saudável com preços estáveis. Mas os bancos habituados ao mundo da inflação precisam se adaptar. A transição não é fácil e há sempre a tentação de simplesmente compensar a queda de rentabilidade com o aumento do volume de empréstimos.
A reversão do boom pós-estabilização é implacável com quem optou por esse comportamento míope. A expansão do crédito se defronta com devedores incapazes de honrar seus compromissos. O que parecia uma saída fácil se transforma em um pesadelo. Incapazes de cortar custos e submersos em uma onda de inadimplência, alguns bancos se vêem em dificuldades. Os boatos começam a circular.
Os bancos são animais sensíveis aos boatos. A fuga de depósitos decorrente da perda de confiança pode ser mortal. Os empréstimos não são passíveis de serem cobrados a curto prazo sem grandes prejuízos. Não haveria, portanto, como honrar os depósitos mesmo que o banco estivesse em perfeita saúde. A desconfiança poderia vir a se tornar realidade, ainda que sem nenhuma razão de fundo.
É para evitar esse tipo de profecia auto-realizável que o Banco Central funciona como emprestador de última instância. Empresta ao banco com dificuldade de liquidez até que ele possa cobrar os ativos e saldar os compromissos.
A situação é diferente quando os ativos não são suficientes para cobrir os passivos. Nesse caso, o banco não tem apenas um problema de liquidez, tem um furo patrimonial. Em bom português: está quebrado.
É bom deixar claro que nenhum banco quebra de repente, por fuga de depósitos, se tiver acesso ao redesconto do Banco Central. Embora não necessariamente por má-fé -o Nacional é um banco de gente séria-, um banco só quebra por má gestão.
Fusões e incorporações de bancos saudáveis ou até mesmo em dificuldades, mas sem furo patrimonial, não precisam de subsídios do Banco Central ou de vantagens fiscais. O que requer tais medidas é a absorção do prejuízo de bancos quebrados. E, nesse caso, por mais difícil que isso possa parecer, tais medidas são corretas se há risco de crise sistêmica. Os custos poderiam vir a ser muitos maiores.
Evitar crises sistêmicas é um bem público que justifica o uso de dinheiro público. Mas com tantas demandas prementes, mais difícil ainda é explicar como os balanços podem ser tão extraordinariamente enganadores e o problema chegar ao ponto a que chega antes de ser enfrentado.

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