São Paulo, terça-feira, 21 de novembro de 1995
Texto Anterior | Próximo Texto | Índice

Cony pai

ANTONIO CARLOS DE FARIA

RIO DE JANEIRO - A literatura sobre o jornalismo e os jornalistas quase invariavelmente vai de um extremo ao outro, da personificação real do poder em um Assis Chateaubriand ao fracasso ficcional de um Isaías Caminha.
Este último se insere na tradição de Balzac ("Ilusões Perdidas") e de Guy de Maupassant ("Bel-Ami").
Lima Barreto acrescenta o fardo do racismo à trajetória do rapaz pobre do interior que se torna jornalista. Nos franceses, o protagonista também sofre preconceitos, mas ligados ao provincianismo de sua origem.
A biografia de Chateaubriand ou o livro-depoimento de Samuel Wainer trazem lances que excedem a imaginação de um romancista. Os dois relatos de vida mostram titãs que tentam controlar a história.
A leitura desses livros, dos ficcionais e dos nem tanto, propicia um curso sobre a imprensa desde os princípios do século 19.
São obras fartas em referências sobre o modo de produção da informação, desde os aspectos técnicos de suas épocas até os conceitos de ética da profissão.
Faltava nesse quadro o quase-romance de Carlos Heitor Cony, "Quase Memória", que mostra a vida de um jornalista que poderia ser o vizinho de qualquer pessoa, no tempo em que ainda havia relações de vizinhança.
Ao contar as histórias da vida de seu pai, Cony traça como pano de fundo as modificações na imprensa brasileira, no momento em que ela deixa a vertente francesa para adotar a americana.
Descritas com estilo saboroso, as memórias de Cony, misturadas com personagens reais e fictícios, sintetizaram um livro que se poderia ler de um só fôlego, não fossem as pausas que o texto cria para o riso ou o enternecimento.
Ao escrever o perfil de seu pai, Cony coloca em relevo o homem que ele foi para os amigos e a família. Sua despedida profissional se dá em um dos momentos de revolução tecnológica dos jornais, quando as máquinas de escrever aposentam os escribas.
Até nisso o livro de Cony cria um encantamento reflexivo, em um momento em que as novas tecnologias provocam a discussão sobre a própria continuidade dos jornais.

Texto Anterior: Reflexos da crise
Próximo Texto: Espelho de irrealidade
Índice


Clique aqui para deixar comentários e sugestões para o ombudsman.


Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Folhapress.