São Paulo, sexta-feira, 24 de novembro de 1995
Texto Anterior | Próximo Texto | Índice

Clientelismo e benemerência

ALDAÍZA SPOSATI

A cultura política brasileira, do senso comum ao parlamento -e inclua-se aí sobremodo o Executivo-, revela que a prática da benemerência está tão arraigada aos seus usos e costumes que chega a truncar o avanço das propostas de democratização das políticas sociais e a aplicação das verbas sociais.
A benemerência tem sido álibi de múltiplas transgressões exercidas por parlamentares e governantes, como demonstraram as CPIs do Orçamento e da LBA. O recente endereçamento das verbas sociais realizado por parlamentares federais -por meio de emendas personalizadas- mostra a persistência dessa cumplicidade.
O jogo da benemerência reduz cidadãos a necessitados enquanto "desvalidos de direitos. O proponente da ajuda aparece como a "alma caridosa e sensível, desobrigando respostas de qualidade às políticas universais.
Vale lembrar que o artigo 203 da Constituição, regulamentado pela Lei Orgânica da Assistência Social -LOAS (Lei 8.742/93)-, exige que o governo federal pague mensalmente o valor de um salário mínimo aos idosos sem renda. Todavia, passados oito anos, esse benefício não foi efetivado nem aos idosos nem aos portadores de deficiência.
Esse debate foi o centro da "1ª Conferência Nacional da Assistência Social", que se realizou de 20 a 23 de novembro, em Brasília, reunindo mais de 700 delegados eleitos em conferências municipais, regionais e estaduais.
Um novo capítulo democrático da assistência social supõe alterações sob a responsabilidade de vários ministérios. À Justiça cabe rever o sistema de utilidade pública regido por lei de 1935 e que opera concorrencialmente nas três instâncias (municipal, estadual e federal) sem tornar público, em nenhuma delas, o que é o interesse público.
A Saúde, Educação, Cultura e Esportes precisam definir o que é "sem fins lucrativos e/ou filantropia no âmbito das políticas públicas pelas quais são responsáveis. Precisam tornar transparente à sociedade o que, quem e quanto financiam, por meio de isenções, subvenções e concessões.
É necessário romper a aliança entre clientelismo e benemerência no campo da assistência social, pois falta pouco para ser reconhecido como o "jeitinho brasileiro de operar ações sociais neoliberais. Esse risco aumenta quando se percebe que o compromisso do atual governo não é com o estado social.
Basta compararmos seu empenho em arcar com a fusão de bancos, num esforço que custará ao Tesouro cerca de R$ 15 bilhões, com o fraco desempenho da área social.

Texto Anterior: Desabamento mata 5 garimpeiros no Amapá
Próximo Texto: Polícia caça irmãos acusados de matar 8
Índice


Clique aqui para deixar comentários e sugestões para o ombudsman.


Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Folhapress.