São Paulo, domingo, 26 de novembro de 1995 |
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NA PONTA DA LÍNGUA
MARCELO LEITE Algo que sempre estranhei na seção Erramos é a falta de critérios sobre o que se deve corrigir e o que pode passar sem retificação.Em particular no que toca a erros gramaticais, as respostas da Secretaria de Redação para correções propostas pelos leitores e pelo ombudsman fugiam a qualquer padrão. Lembro-me de ter contribuído para um erramos sobre a palavra "xale", publicada com "ch", mas outros erros comparáveis deixaram de ser reconhecidos pelo jornal. Com o tempo, as muitas marés do relacionamento ombudsman-Redação acabaram por sedimentar um critério: só se publicam erramos para falhas que comprometam a transmissão da informação. É um critério, mas certamente não é bom, porque restritivo. Objetivamente, serve para esconder incorreções gritantes, que chamam a atenção de muitos leitores mais atentos e bem-formados. Esses passam a acreditar que o jornal não está tão disposto assim a admitir seus disparates. Dou um exemplo recente, que permanece debaixo do tapete até o instante em que escrevo. Na quarta-feira, o terceiro editorial da Folha trazia o vocábulo "chiste" com "x". Propus erramos, sabendo de antemão que dificilmente seria aceito, mas gostaria de defendê-lo. Em primeiro lugar, editoriais não são textos quaisquer. Veiculam a opinião do próprio jornal e estão associados com o cultivo do estilo e da língua (em nome dos quais se cometem muitos exageros, resultando em textos rebuscados e de difícil compreensão). No tempo em que havia revisores, um erro em editorial podia equivaler a demissão. Em segundo lugar, pela própria surpresa que provoca, um erro desses carrega bom potencial pedagógico. Para dois públicos distintos: jornalistas e leitores. O reconhecimento público de um erro tão crasso pode contribuir para que, passando pela fértil experiência do constrangimento, o profissional passe a tomar mais cuidado com suas próprias limitações. Por outro lado, se um editorialista do maior jornal do Brasil foi capaz dessa enormidade, muitos leitores certamente também serão. Reconhecer o erro torna-se então um serviço, na medida em que se ensina a forma correta de grafar uma palavra sobre a qual há dúvidas. O próprio "Novo Manual da Redação da Folha" traz entre suas muitas epígrafes uma frase genial de Condillac: "Vejo a gramática como a primeira parte da arte de pensar". Parafraseando-o, seria o caso de acrescentar: corrigir erros gramaticais é a primeira parte da arte de informar. Texto Anterior: Tucanos versus corvos Próximo Texto: Militares querem apressar o novo serviço de informação do governo Índice |
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