São Paulo, domingo, 26 de novembro de 1995
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Cavallo descarta desvalorizar o peso

DENISE CHRISPIM MARIN

Cavallo - Só se a Argentina tiver um aumento da produtividade de sua economia maior do que a dos Estados Unidos, ao longo dos próximos anos. Nesse caso, a moeda argentina tende a valorizar-se em relação ao dólar. Foi o que se passou com o marco alemão e o iene.
Nesse caso, iríamos para uma flutuação, mas com a moeda argentina mais forte do que o dólar. Mas isso não significa sair da conversibilidade. É seguir uma livre flutuação, em direção à valorização da nossa moeda.
Essa possibilidade está contemplada na Lei de Conversibilidade, que impede somente a desvalorização da moeda.
A razão pela qual não valorizamos nossa moeda é a de que pusemos um piso na banda de flutuação do câmbio muito próximo do teto. O piso é de US$ 0,99 e o teto é de US$ 1,00.
Folha - E essas bandas podem ser alteradas?
Cavallo - Os US$ 0,99 poderiam ser US$ 0,90 ou US$ 0,80.
Folha - A valorização do peso argentino é inconveniente?
Cavallo - Se a moeda se valorizasse hoje, acreditamos que seria um fenômeno decorrente da entrada de capitais voláteis. Mas, dentro de três, quatro ou cinco anos, se a Argentina mantiver o ritmo de produtividade dos últimos quatro ou cinco anos, é provável que haja uma tendência estrutural para a valorização da moeda. Nesse caso, deveríamos baixar o piso da banda de flutuação.
Folha - O sistema cambial brasileiro, que mantém o real valorizado frente ao dólar, é insustentável?
Cavallo - Eu não posso dar uma opinião sobre esse tema. Além disso, o regime cambial brasileiro não é como o argentino. Há bandas de flutuação que vêm mudando através do tempo.
Folha - O economista argentino Ricardo Lopez Murphy disse que a aplicação da Lei de Conversibilidade deveria ter sido acompanhada pela reforma nas leis de trabalho para não causar graves problemas de emprego. Estaria neste fato a razão do aumento do desemprego?
Cavallo - Uma coisa não tem nada a ver com a outra. Sem a conversibilidade, aconteceria exatamente o mesmo. Mas teríamos uma inflação muito mais alta.
Folha - No próximo mês deve ser divulgada a taxa de desemprego do período de maio a outubro. A expectativa é de que seja maior que a anterior, de 18,6%. Isso não o preocupa?
Cavallo - Não. As estatísticas de que eu tive conhecimento apontam para uma taxa de desemprego menor. Cremos que em 1996 a taxa de emprego deve aumentar.
Folha - Como o senhor assimilou as críticas do papa João Paulo 2º ao aumento do desemprego na Argentina?
Cavallo - São as mesmas críticas feitas em relação aos Estados Unidos ou ao Brasil.
Folha - Não o preocupa o fato de a atividade industrial não estar se recuperando?
Cavallo - Em outubro houve recuperação em relação a setembro.
Folha - Sim, de 1,1%. Mas de janeiro a outubro a queda acumulada é de 4,1%.
Cavallo - Mas deixou de cair. O segundo e o terceiro trimestres foram de recessão. O quatro trimestre pode ter resultado pior em relação ao mesmo período do ano passado. Isso é possível. Mas será maior do que o terceiro trimestre deste ano.
Folha - O senhor conseguiu firmar um acordo com o FMI (Fundo Monetário Internacional) pelo qual as metas fiscais da Argentina foram reduzidas. Isso deixa claro que a Argentina enfrenta um problema grave para equilibrar suas contas. Como o senhor espera resolvê-lo?
Cavallo - No terceiro trimestre, cumprimos com as metas fixadas. E acreditamos que vamos cumpri-las no quarto trimestre, contabilizando os ingressos do perdão aos devedores.
Nós temos esperança de que a economia entre em expansão de novo. Isso vai significar maior arrecadação. E esperamos, sobretudo, que a situação financeira volte à normalidade.
Nos últimos dez dias, os preços dos bônus argentinos e das ações melhoraram muito. Esperamos que 1995 feche com normalidade financeira e que isso ajude para que 1996 seja mais fácil para produtores e contribuintes.
Folha - Qual a previsão oficial de crescimento da economia argentina para 1996?
Cavallo - É de 5%.
Folha - O FMI prevê apenas 1% e os bancos de investimento estrangeiros mais otimistas não esperam mais do que 2,5%.
Cavallo - Em geral, aqueles que previram baixo crescimento para a Argentina erraram, salvo neste ano. Em cinco anos, eles erraram quatro vezes e nós, apenas uma. A probabilidade de que acertemos para 1996 é de, pelo menos, 4 a 1.
Folha - A segunda reforma do Estado é um dos pontos essenciais para a Argentina?
Cavallo - Pensamos em fazer uma reforma que produza uma forte redução adicional nos gastos públicos. Queremos que ela gere uma eficiência dos gastos, sobretudo nos sociais.
Folha - Uma das pendências para a aprovação da lei no Congresso é a definição dos órgãos que serão extintos?
Cavallo - A grande redução de gastos não virá da redução de número de secretarias e subsecretarias. Pode vir pela eliminação completa de alguns grandes organismos descentralizados, autárquicos.
Folha - A primeira reforma do Estado cortou 648 mil funcionários públicos. Quantos devem ser demitidos desta vez?
Cavallo - A Argentina tem um setor público federal muito pequeno.
Folha - E os das Províncias?
Cavallo - Isso é responsabilidade das Províncias. Cada uma tem de fazer sua reforma.
Folha - E o Ministério de Economia pressiona para que elas façam essas reformas.
Cavallo - Não, é a realidade que as pressiona, porque boa parte tem alto déficit e não encontra financiamento. Elas têm de tomar a decisão. No caso do governo federal, com 320 mil servidores, não podemos esperar forte redução adicional do emprego.
Devemos ser um dos menores governos em proporção à população total. Dos 320 mil, mais de 160 mil são militares ou policiais. Não há margem de redução.

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