São Paulo, domingo, 26 de novembro de 1995
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Estatísticas e realidade

SÍLVIO LANCELLOTTI

Acredite se quiser: a Itália tem a melhor seleção do planeta nos últimos dez anos. A informação não provém de um jornalista de raízes peninsulares que o destino transformou num especialista no futebol da Bota. Quem faz a afirmação é a Fifa, a entidade que organiza a modalidade no mundo inteirinho.
Divulgada nesta semana, a valorização do "calcio" se baseou numa análise de exatos 5.119 cotejos de equipes nacionais de quase 190 países, realizados entre o início de 1985 e agosto de 1995. No seu critério, discutível, a Fifa não considerou os títulos universais da Argentina, em 86, da Alemanha, em 90 ou do Brasil, em 94. Também desconsiderou os troféus europeus da França, em 84, da Holanda, em 88, e da Dinamarca, em 92.
Simplório e elementar, apenas fundamentado nas entrelinhas da estatística, o critério da Fifa se baseia numa fórmula que relaciona o número de tentos anotados e o número de gols sofridos no período. A Itália marcou, em média, 1,49 por peleja. Concedeu somente 0,58. Na divisão de 1,49 por 0,58, obteve um suposto "quociente de eficiência" na casa dos 2,57.
No departamento da retaguarda, nenhum time bateu a Squadra Azzurra. Logo atrás do time, se colocam o Eire, com média em 0,67, e o Marrocos, com 0,70. No segmento do ataque, inacreditavelmente, a liderança fica com o Iraque, 1,96 de média, adiante do Brasil e do México, 1,83.
Perpetradas as respectivas divisões, o índice de 2,57, deixa a Itália imediatamente adiante do Brasil (2,54) e da Holanda (2,41). Detalhe: refiz os cálculos das divisões. Ao cometer as suas tabelinhas caudalosas, a Fifa se equivocou na aritmética. Define o Brasil, por exemplo, com 1,83 gols a favor e 0,72 contra -e anuncia um quociente de 2,5.
No seu estudo profundíssimo, a Fifa anuncia, com exagerada solenidade, que o futebol do mundo realizou a média de 2,5 tentos por cotejo entre 1985 e 1995. Também desvenda um tenebroso mistério ao espalhar que apenas 11% dos cotejos internacionais se encerraram com o placar de 0 x 0. Aplaude a Oceania de Vanuatu e das Ilhas Fiji pela sua produção prolífica, 3,25 gols por prélio -enquanto acusa a África de avarenta, meros 2,25 tentos por combate.
E daí? A estatística é linda quando transmite ensinamentos capazes de algum tipo de aperfeiçoamento. No caso do mais recente brinquedinho da Fifa, a estatística apenas camufla, quando não falseia e desvirtua, a realidade.

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