São Paulo, domingo, 26 de novembro de 1995
Texto Anterior | Próximo Texto | Índice

Comportamento pode ser genético

JOSÉ REIS
ESPECIAL PARA A FOLHA

Os genes têm sido, em geral, ligados a caracteres físicos, porém mesmo pesquisadores cuidadosos conseguiram relacionar genes isolados ou em pequenos grupos a comportamentos.
Até a década de 60, a falta de recursos técnicos impedia sequer a dissecação genética dos comportamentos animais, mas, a partir daí, esse objetivo foi sendo alcançado, até a determinação específica dos centros nervosos sobre os quais atuam genes responsáveis por determinados comportamentos.
Seymour Benzer, do California Institute of Technology (Caltech), tornou-se um dos primeiros cientistas a investigar a estrutura genética do comportamento, o que realizou na mosquinha dos geneticistas, ou drosófila, prolífico inseto de apenas 1,5 milímetro de comprimento.
Seu exemplo foi imediatamente seguido por Jeffrey C. Hall, da Universidade Brandeis, e continua até hoje com outros investigadores, entre os quais Ralph J. Greenspan, da New York University, que publicou na revista "Scientific American" artigo sobre construção genética do comportamento. Trata especialmente do papel dos genes nos atos que constituem a corte e o ato sexual na drosófila.
A corte nesse animal envolve principalmente atividades do macho. O primeiro ato é a preferência, ou escolha da fêmea.
Ele se põe diante dela a pequena distância, encarando-a e, a seguir, bate com uma das patas anteriores no abdome dela, seguindo-a se ela se move. Exibe depois uma de suas asas e vibra-a com ritmo característico, provocando zumbido ou "canto de amor".
Conforme o comportamento da fêmea nessa ocasião, ele pode repetir o ato. Se tudo corre bem, desenrola a tromba, ou probóscide (tubo em cuja ponta se acham as peças bucais), e lambe os órgãos genitais da cortejada. Nesse instante ele pode montá-la e, se a fêmea é receptiva, copula com ela.
Mas a cópula só ocorre após o macho haver realizado todos os pormenores do ritual descrito. No mundo das drosófilas, diz Greenspan, o estupro é raro.
Para descobrir os genes ligados a esses atos, Hall tratou de identificar as partes do sistema nervoso que os controlam, para o que utilizou moscas extraordinárias, ou mosaicos genéticos, fabricadas com mistura de células masculinas e femininas.
Com grande esforço técnico, congelou a seguir as mosquinhas e cortou-as em finas fatias, que coloriu e examinou ao microscópio. A coloração permite distinguir as células masculinas das femininas.
Assim, localizou os centros nervosos e os genes que coordenam os atos da corte.
Antes de estudar esse mecanismo, Greenspan e colaboradores tentaram descobrir se os machos normais confundiam as moscas-mosaico com as fêmeas, o que não ocorreu, embora em algumas linhagens os machos cortejassem tanto as fêmeas quanto os machos.
Muitas regiões do sistema nervoso central acham-se envolvidas na corte, o que sugere a participação de genes diferentes. Mais de uma dúzia deles foi identificada.
Durante a corte, o macho pode aprender a não perder tempo cortejando fêmeas já fecundadas e portanto não-receptivas.
Os machos cortejam incessantemente as virgens, mas perdem o interesse ao fim de 30 minutos a uma hora, quando sentem o feromônio (cheiro) exalado pela fêmea fecundada.
E perdem o interesse também por todas as fêmeas que se encontrem junto da fecundada, as quais provavelmente já o foram pelo mesmo macho.
Ou melhor, perdem o interesse por algumas horas em relação a todas as fêmeas, virgens ou não.
Nesse aprendizado das fêmeas fecundadas, os especialistas identificam a ação de dois genes. Aliás, cumpre lembrar que cada ato pode ser comandado por um ou mais genes, e cada gene pode controlar um ou mais atos.
É ainda incerta a aplicação desses dados à espécie humana, embora já se tenha começado a explorar esse terreno, como no caso de certas capacidades musicais.
Se existir influência genética nos comportamentos humanos, ela deve ser muito mais complexa do que na drosófila.
Mesmo que se demonstre esse fator genético no homem, é preciso não esquecer que este se acha muito mais sujeito a influências subjetivas e ambientais.

Texto Anterior: Uma formiga exótica
Próximo Texto: Leoa covarde põe em xeque cooperação entre animais
Índice


Clique aqui para deixar comentários e sugestões para o ombudsman.


Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Folhapress.