São Paulo, domingo, 26 de novembro de 1995
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No firmamento por dez anos

RUY CASTRO
ESPECIAL PARA A FOLHA

Sinatra aos 80 anos? Você está brincando. Todos nós que o amamos sempre lhe desejamos longa vida, mas não parecia possível, crível ou concebível que um dia ele chegasse a essa idade, tão -com o perdão dos autênticos octogenários- lindamente provecta. A beleza dos 80 anos teria assentado a Bing Crosby, se Bing tivesse vivido até lá (morreu em 1977, aos 76), mas soa desafinada em Sinatra. Não combina com o homem que, nos anos 50, cantava "You Make Me Feel So Young", "Young At Heart" e "Hello Young Lovers" com a autoridade de um irmão apenas um pouco mais velho. Não combina com aqueles chapéus, com a madura superioridade ou com a irresistível "nonchalance" que ele exibia nos filmes, nas capas dos discos, nas fotos das revistas. Sinatra era para ter eternamente de 38 a 48 anos -que, aos olhos do mundo, foram o maior período de sua vida: de 1953 a 1963.
Sucesso, prestígio e poder. Sinatra teve tudo isso durante aqueles dez anos e em quantidades impensáveis para a concorrência, inclusive Presley e os Beatles, com quem ele costuma ser comparado em popularidade. Presley e os Beatles podem ter gozado das mesmas benesses do sucesso: fama, dinheiro e mulheres. Mas esses são "fringe benefits" da glória. Sinatra gozou do prestígio máximo: não era apenas o maior cantor do mundo em cifras -era também o melhor na opinião dos músicos, dos próprios colegas e de gente séria como Alec Wilder, Gunter Schüller, Leonard Bernstein. E seu poder não se limitou à influência sobre o penteado do público, mas chegou perto do poder direto: ajudou a eleger e foi íntimo de um presidente dos Estados Unidos -John Kennedy.
E, ah, sim, antes dos Beatles, Sinatra também já era mais popular do que Cristo, mas sua formação católica e italiana não lhe permitiria ficar se gabando disso pelos microfones.
Durante aqueles dez anos, ele foi amado, respeitado e temido. Homens do mundo inteiro o viam como modelo -milhares deles lhe deveram muitas noites de amor, usando seus discos para amaciar resistências femininas. Os LPs de Sinatra criavam "climas" que permitiam sufocar com beijos os mais rígidos escrúpulos, numa época em que estes eram a regra. Pode-se argumentar que Sinatra teve como seu principal arranjador um homem capaz de transportar qualquer sentimento para a pauta musical: o gênio Nelson Riddle. Mas todos os cantores contratados da gravadora Capitol tiveram Riddle como arranjador e nenhum provocou mais ondas de tesão universal que Sinatra.
Mas mesmo isso seria pobre e passageiro -se fosse só isso. Quando ouvidos para fins estritamente musicais, já se suspeitava de que LPs como "Songs For Young Lovers" (1953), "Swing Easy" (1954), "In the Wee Small Hours" (1955), "Songs For Swingin Lovers" (1956), "Where Are You?" (1957) e "Only the Lonely" (1958) tinham sido gravados para a eternidade. Hoje sabemos que foi exatamente para ela que esses discos foram gravados. No decorrer dos últimos 40 anos, eles reencarnaram em todos os formatos permitidos pela indústria fonográfica, sobreviveram ao destroçamento maciço da sensibilidade e não perderam o seu poder de extasiar. Agora, com todos eles cintilando em CD, não há mais dúvidas: são clássicos do século 20 e parte importante do legado da humanidade no período. Talvez a melhor parte.
Por que isolar esse período de 1953 a 1963 numa carreira e vida tão longas? Porque, pré-1953, o Sinatra que se conhecia era o jovem magricela que usava roupa de marinheiro nos musicais da MGM e que podia arrebatar corações com seus discos na gravadora Columbia, mas cujo público se compunha de adolescentes e de senhoras idosas. Sua imagem frágil e "juvenil", suas gravatas-borboleta e seu topete chuca-chuca não pertenciam ao universo adulto, que continuava cativo de Crosby. Naquele tempo, Sinatra já tinha tudo para ser um gênio -mas faltavam-lhe calos na alma. Felizmente para nós, a vida não demoraria a fornecer-lhe esses calos.
Com o Sinatra de 1953, pós-Ava Gardner, o Sinatra que cresceu para interpretar "A Um Passo da Eternidade" e mudou-se para a gravadora Capitol, nasceu também o homem em quem se podia acreditar quando ele cantava "I'm a Fool To Want You", "I Get Along Without You Very Well" ou "What's New?". Seguiram-se os seus dez anos no firmamento, interrompidos pela juvenilização da música popular em escala mundial, de 1963 em diante. A partir dali, não apenas Sinatra foi condenado a um gueto -o mundo adulto de modo geral o foi.
No seu caso, um gueto de luxo, para o qual, em fins dos anos 70, ele se retirou com grande elegância. Desde então, o Sinatra que permaneceu sob os "spotlights" foi o dos grandes discos do passado. Daí ser chocante saber que, de repente, ele chegou aos 80 anos. Não nos preparamos para isso nessas últimas décadas. Mas há muito que deveríamos estar avisados -porque, ainda no setembro de seus anos, ele cantou que iria viver todos os seus amanhãs.

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