São Paulo, domingo, 26 de novembro de 1995
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Olhos azuis brilharam no cinema

SÉRGIO AUGUSTO
DA SUCURSAL DO RIO

Em 50 anos, Sinatra apareceu na tela umas 60 vezes. Fez de tudo, até o que não devia. Foi o que era na vida real (cantor), o que nunca pôde ser (soldado), o que poderia ter sido (gângster) e o que odiaria ser (fotógrafo de revista). Interpretou ainda marinheiros, caubóis, detetives e urbanóides simplórios, desprotegidos e viciados em drogas. Salvou vidas empunhando armas e estetoscópio, tentou matar um presidente, lutou em quatro guerras -mas não foi para nada disso que Hollywood o chamou em meados dos anos 40. Em 1944, todos queriam que ele apenas cantasse diante das câmeras.
Sinatra, por sua vez, só queria uma coisa quando desembarcou em Los Angeles: cantar as atrizes mais apetitosas da cidade.
A partir de uma lista afixada na porta de seu camarim, correu atrás de quase todas as ninfas da Metro. Namorou, de saída, Lana Turner e Marilyn Maxwell. Com Ava Gardner caiu de quatro, reabilitando-se com o elenco de outros estúdios. Conheceu biblicamente estrelas de primeira grandeza (Marilyn Monroe, Marlene Dietrich, Lauren Bacall, Shirley MacLaine, Kim Novak, Natalie Wood) e outras nem tanto (Anita Ekberg, Dorothy Provine, Juliet Prowse), sem desprezar starlets como Joy Lansing, Barbies como Jill St. John e "bambis" como Mia Farrow.
Como havia sido combinado, em seus primeiros filmes ele falou menos e cantou mais. Também dançou, ao lado de Gene Kelly em "Marujos do Amor" e "Um Dia em Nova York", mas tão logo foi possível submeteu sua versatilidade aos rigores da arte dramática. Logo no primeiro teste ("A Um Passo da Eternidade"), conquistou um Oscar. No segundo ("Meu Ofício É Matar") confirmou as suspeitas gerais: também como ator Sinatra era um craque. Em dramas e comédias.
Sua melhor fase diante das câmeras vai de 1953 a 1957. Em qualidade e quantidade: 12 filmes em 5 anos, fora duas aparições como astro convidado, quase um recorde. Apenas seis títulos desse período foram lançados em vídeo no Brasil: "A Um Passo da Eternidade', "Meu Ofício É Matar", "Corações Enamorados", "O Homem do Braço de Ouro", "Alta Sociedade" e "Meus Dois Carinhos". Mais três mereciam estar nas locadoras: "Eles e Elas", "Armadilha Amorosa" e "Chorei Por Você" (exclusivamente porque foi nesta cinebiografia do cabaretista Joe E. Lewis que Sinatra celebrizou "All the Way").
Talvez para se justificar junto àqueles que o criticaram por escapar do serviço militar em plena Segunda Guerra Mundial, Sinatra combateu um bocado na tela: sete ou oito vezes, em vários tipos de conflito armado, um deles no século passado ("Orgulho e Paixão"), outro no Oriente Médio ("A Sombra de um Gigante"). Em quatro oportunidades encarnou soldados recém-chegados da guerra, esbanjando alegria em duas delas, sem tirar o uniforme de marujo, e padecendo à paisana o que não sofrera nos campos da Europa ("Deus Sabe Quanto Amei") e da Coréia ("Sob o Domínio do Mal").
Também eram sobre guerra os dois projetos pessoais mais ambiciosos do cantor. O primeiro, "The Execution of Private Slovik", morreu no papel. Contava a história do único soldado norte-americano fuzilado por deserção durante a Primeira Guerra Mundial, tema que afinal se revelou menos polêmico que a escolha de Albert Maltz para roteirizá-lo. Banido de Hollywood pelo macarthismo, Maltz tinha fama de comunista. Sinatra o bancou até onde pôde, mas acabou sucumbindo às pressões da direita.
O segundo projeto, "Os Bravos Morrem Lutando", só não transcorreu às mil maravilhas porque durante as filmagens, numa ilha do Pacífico, o cantor quase morreu afogado. Foi a única experiência de Sinatra como diretor, de resto perfeitamente dispensável. Há três anos que não fazia um bom filme. Nem voltaria a fazer.
Sua carreira cinematográfica se encerraria em 1970, com um bangue-bangue metido a engraçado, "O Mais Perigoso dos Bandidos", mas, atendendo a um pedido de sua mãe, entrou numa fria televisiva ("Contract On Cherry Street") e, para cobrir para um amigo uma desistência de Marlon Brando, topou viver o resfolegante detetive de "O Primeiro Pecado Mortal". Um ano antes rejeitara o papel de um patriarca político inspirado no velho John Kennedy, pai de JFK, em "Winter Kills", alegando não apreciar personagens macróbios. Três anos depois, moveu mares e terras para encarnar o advogado alcoólatra de "O Veredito", mas o diretor Sidney Lumet preferiu Paul Newman. Foi aí que Sinatra descobriu que já não era o único "Velhos Olhos Azuis" de Hollywood.

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