São Paulo, domingo, 26 de novembro de 1995 |
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O perigo do telefone
ANTONIO ERMÍRIO DE MORAES Cinco da manhã. Toca o telefone. O Matias. Um velho amigo fazendeiro do interior de São Paulo. Ultimamente, ele se meteu com usina de açúcar. O telefonema era sobre isso. Um pedido de socorro."Antonio, preciso da sua ajuda." "O que houve? Algum problema de saúde?" "Não. Estou sem vapor na caldeira 1." Nesse ponto, a linha se cruza. E entra um diálogo sem pé nem cabeça. "Ouvi os fogos. Tudo ok?" " Sim. O carregamento chegou." "Antonio. Está me ouvindo?", gritou o Matias. "Sim, estou. Mas tem linha cruzada." "O sistema estourou às duas da manhã." "Em que posso ajudar, Matias?" "Preciso de 30 tubos para a caldeira." "Quando posso retirar?" perguntou o intruso. "Não tem problema", acalmei o Matias. "E o preço?", indagou o furão. "Dobrou." "Como assim? Dobrou? Até você, Antonio..." "Calma, Matias. Vou mandar com uma nota fiscal de transferência. Esqueça o preço." "Como, nota fiscal?" espantou-se o da linha cruzada. "Você enlouqueceu? Nota fiscal..." "Sai dessa. Disse apenas que o preço dobrou. Veio um pó especial." "Eu preciso de tubos e não de pó, Antonio." "Eu lhe mando logo, Matias." "Vou separar a grana. Mande a mercadoria. Mas o dobro, não." "Hoje não. Tenho de empacotar." "Desde quando você manda tubos empacotados?", gritou o Matias, angustiado com a demora. "Eu não falei em pacote. É a linha cruzada. Mando tudo hoje." "Ainda bem", disse o intruso. "Hoje é sexta-feira. Dia de embalo. Tenho freguês de monte." "Espera lá. Hoje, não dá. Tenho de empacotar", repetiu o vendedor. "E seu eu for aí de moto, você me arranja um pouco?" "Ô Matias. Você está brincando? Buscar 30 tubos de 6 polegadas de moto... Mas você é quem sabe." "Não falei nada de moto, Antonio. Nem de pó. E nem de pacote. Pelo amor de Deus, me arranje os tubos." "Venha lá pelas três horas. Pare a moto nos fundos. Chegue aqui a pé. Não dê bandeira. A barra está pesada. Federal por todo lado." "Antonio, entenda bem. Estou com a caldeira parada e cana saindo pelo ladrão. Não posso esperar até as três horas." Que confusão! Um pedia tubos. Outro queria pó. Eu desejava ajudar o amigo. O outro, esfaquear o traficante. Resolvi interceder. "Basta! Vamos parar com esse papo a quatro línguas. Do contrário, entraremos todos pela tubulação. Com pó ou sem pó. E você, Matias, me ligue num outro telefone porque este vai dar capa de revista para você e para mim. Tchau!" Texto Anterior: Eu, pecador, me confesso Próximo Texto: CENSURA ARTÍSTICA; SÍNDROME DO URUBU; FUTURO INCERTO; VIDA REAL Índice |
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