São Paulo, domingo, 26 de novembro de 1995
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um bailarino no Planejamento

COSETTE ALVES

Olhos de exilado que transmitem ao mesmo tempo a insegurança do exílio e a determinação de voltar. Olhar de bailarino disciplinado, sempre à procura da perfeição, que em alguns momentos se transforma em olhar juvenil e brejeiro.
Durante a conversa, as mãos marcavam o ritmo das palavras. Raciocínio claro. Dono de boa cabeça, está seguro daquilo que pensa e diz. Não improvisa nem se prende a palavras ou idéias pirotécnicas. Nada que me contou foi espantoso ou surpreendente. Parece avesso a manifestações extravagantes.
José Serra é homem simples e disciplinado. O seu sucesso político é produto de trabalho e persistência. Para ele, nunca nada está ótimo. Nem em si nem nos outros. Não aceita nem faz elogios fáceis. E, às vezes, pode ser de uma franqueza cândida e cômica.
José Serra não se exilou de si mesmo para se dedicar à vida pública. É político no bom sentido, por natureza e vocação, que se revelou muito cedo. Aos dez anos, já lia jornais e se interessava pelos rumos do Brasil.
Não guarda rancor na geladeira. Como "primeiro bailarino", entende que tanto as críticas como os aplausos fazem parte da vida pública. Desenvolveu o hábito de se colocar na posição de quem o ataca.
O ministro José Serra é mais compreensivo com os adversários competentes do que com colaboradores preguiçosos. A cobrança que faz de si mesmo é maior do que fariam os eleitores ou adversários.
"Não me fascinam a liturgia e as pompas do poder. Dou muito mais atenção à possibilidade de fazer coisas concretas. Não sou machista e gosto de crianças. Considero-me sem talentos especiais, mas muito persistente, empenhado em compreender, analisar e fazer".
Infância
José Serra se entrega ao trabalho com paixão, arte e competência, como o bailarino russo, pelo sonho de fazer mudanças concretas no Brasil. Para ele, só isso pode ser sinal de sucesso. O resto é ilusão.
Infância José Serra foi um menino nem tanto ao mar nem tanto à terra. Criança alegre, extrovertida, gostava muito de futebol. Mas gostava também de ter suas horinhas de introspecção. Lia jornal desde os dez anos -futebol e política. Muito cedo, começou a escrever, inclusive em um diário, que infelizmente se perdeu.
Filho único, nunca se sentiu mimado pelos pais. Mas, como primeiro neto da família, lembra de ter sido "paparicado" pelas tias e a avó Carmela, argentina, a quem era muito apegado. Avô materno e pai nasceram em Corigliano, na "sola da bota da Itália".
José Serra nasceu em São Paulo e morava na Mooca, numa vila construída no começo do século para famílias operárias.
Frequentou o parque infantil Dom Pedro 2º, mais tarde destruído pelo Minhocão. Não passou por privações na infância e nunca lhe faltou o essencial, apesar de seus pais terem levado uma vida modesta. Não viveu na opulência e nem na pobreza. Desde criança, era fascinado pela política.
Intimidades
O ministro José Serra é casado com Mônica e tem dois filhos, Verônica e Luciano. É pai dedicado. Ela, além de psicóloga, foi primeira bailarina no balé do Chile, onde conheceu José Serra.
Sua relação com Mônica, mulher dotada de extrema sensibilidade, transcende a de um casamento tradicional. Apesar das circunstâncias da vida do ministro José Serra terem mudado, a relação qualitativa continua a mesma.
Muitos entrevistados me disseram que a pergunta que gostariam de se fazer é se todo o esforço de sua vida valia a pena. O ministro José Serra gostaria de saber se o que tem feito tem valido a pena para o país.
Notei em seus olhos faíscas de luz ao me falar dessas coisas, de sentimentos íntimos. Seu lado humano não me pareceu sacrificado pelos longos anos na vida pública.
Apesar de fascinado pela política, ela não o seduziu a tal ponto. A dedicação de José Serra à vida pública não se traduz em amor ao poder ou a cargos. Preserva obstinadamente sua independência de pensamento e está disposto a pagar preços altos por suas convicções.
É político, gosta de fazer política, mas não é manhoso e, às vezes, pode até ser rude na sua franqueza. É indiferente às liturgias dos cargos. Desconfio que as considere ridículas. Acha que a população o vê mais como ele é do que a elite, que faz muitas fantasias a seu respeito.
Nessas alturas, depois de muita conversa, o ministro José Serra já se movimentava como um primeiro bailarino. Aquecido, falava com desembaraço e sentimento, sem abandonar a técnica e uma perfeição coordenação.
"O que mais não gosto em mim mesmo? É a impaciência que me envolve quando deixam a peteca cair. Minha maior intolerância na vida pública é com as pessoas que não trabalham como deviam. Aceito bem as divergências, mas não a inoperância. Frequentemente, minha intolerância à inoperância é entendida como divergência por quem está olhando de fora".
Carreira política
José Serra foi líder estudantil dos anos 60: presidente da União Estadual dos Estudantes de São Paulo e presidente da UNE (União Nacional dos Estudantes). Nessa época, o movimento estudantil era forte, aguerrido e exercia influência política no Brasil.
Serra combinava duas capacidades: de organização e agitação em assembléias e comícios. Isso custou-lhe o exílio, em 1964. No exterior, trabalhou para se manter, estudou, se formou intelectualmente.
Voltou ao Brasil em 1978, como professor universitário. Em seguida, foi secretário do governo Montoro.
Depois foi eleito deputado duas vezes, campeão nas urnas na segunda vez, senador mais votado no Brasil. O ministro do Planejamento José Serra é um político que destrói com seu curriculum a crença de que político não trabalha. Muito pelo contrário, é um obcecado pelo fazer. Foi o

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