São Paulo, segunda-feira, 27 de novembro de 1995
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País não teria como operar dados do Sivam

RICARDO BONALUME NETO
ESPECIAL PARA A FOLHA

Um "sistema" que se propõe a vigiar 5,2 milhões de quilômetros quadrados de território, ou 61% da área do quinto país do planeta, pode ser tanto megalomaníaco na sua pretensão de tudo ver, como incapaz tecnicamente de fazer tudo isso.
O Sivam (Sistema de Vigilância da Amazônia) ainda não tem respostas a essas duas questões.
Existem dúvidas sobre sua capacidade de rastrear o que está de fato acontecendo na Amazônia brasileira. Mas não existem dúvidas sobre a incapacidade dos órgãos de governo de agir eficazmente, mesmo com informações perfeitas por ele produzidas.
Descrever o Sivam em poucas linhas é impossível. Não é apenas uma série de radares, ou mesmo um conjunto de sensores, ou um simples -e, hoje, extremamente necessário- sistema de controle aéreo para a região amazônica.
O Sivam é a principal ferramenta de outra sigla, o Sipam (Sistema de Proteção da Amazônia). Os dois são uma reação governamental às preocupações nacionais e mundiais sobre uma das mais importantes regiões do planeta.
O governo reconhece que ali estão "mais de 30% da biodiversidade da Terra" (é um chute, já que não existem medidas precisas de diversidade biológica) e um potencial econômico em "minerais, madeiras, flora, agropecuária" etc. Para vigiar a Amazônia, o Sivam pretende coletar informações, transmiti-las e processá-las.
Trata-se de monitorar praticamente tudo de importante -meio ambiente, agricultura, mineração, invasão de terras indígenas etc., relacionando entre si dados díspares como a poluição de um rio, uma invasão de espaço aéreo e o desmatamento de um terreno.
As ambições do Sivam fazem dele um caso clássico daquilo que o cientista político israelense Gerald Steinberg batizou de "entusiasmo tecnológico".
"O número cada vez maior de projetos nacionais de grande escala baseados na tecnologia realça a existência de um enfoque ideológico e mitológico da ciência e da tecnologia, o 'entusiasmo tecnológico', que tem efeito de distorção sobre o processo racional de tomada de decisão", afirmou.
Em São Paulo, são em torno de 110 os pesquisadores ligados à Comissão para a Coordenação do Sivam, e um número parecido no Rio. Eles têm de encontrar meios de integrar dados obtidos por sensores diferentes entre si -como radares em terra ou em aviões, plataformas de coleta de dados meteorológicos ou satélites de sensoriamento etc.
As informações podem vir na forma de imagens, números ou texto, apresentadas por softwares variados. Mais modesto, o pesquisador da Embrapa (Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária) Fuad Gattaz Sobrinho quer integrar programas e dados para seu estudo sobre "segurança alimentar" (a fome).
Gattaz esteve em São Paulo na semana passada no Congresso Nacional de Informática Pública, quando engenheiros do Sivam apresentaram o programa.
Procurou saber que soluções seus colegas tinham para problemas bem mais complexos. Não estava lá para atacar o programa, tanto que se dispôs a colaborar. Mas ficou decepcionado.
O pessoal do Sivam ainda tateia. Se aprovado pelo Congresso, haverá sete anos para resolver esse desafio tecnológico.
Caso não funcione, o Sivam fará companhia a alguns fracassos citados por Steinberg -o programa americano "Guerra nas Estrelas", de defesa contra mísseis, o supersônico de passageiros anglo-francês Concorde ou o programa nuclear Brasil-Alemanha.

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