São Paulo, segunda-feira, 27 de novembro de 1995 |
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FERNANDA ENLATADA
RONALDO SOARES
Neste fim-de-semana, os paulistas vão poder conferir o que Fernanda Abreu armazenou dentro "Da Lata", disco que acaba de lançar pela gravadora EMI. A cantora faz shows de sexta a domingo no Tom Brasil e promete fazer a casa balançar, como num baile black embalado a charm, funk, suingue e samba. Na última quinta-feira, véspera de uma apresentação que faria em Salvador, Fernanda falou por telefone à Folha. Folha - Você considera "Da Lata" um disco conceitual? Fernanda Abreu - Não é exatamente um disco conceitual. Mas disco para mim não é uma sucessão de canções, tem de ter uma idéia. A desse disco é fechada, no sentido de que a lata, que a princípio é um material barato, pode ser transformada em material de luxo. É a possibilidade de o barato virar caro, de o lixo virar luxo. Folha - Nessa concepção de o barato virar caro estaria implícita a idéia de que o brasileiro trabalha no improviso, sem recursos, mas consegue ser criativo? Fernanda - Acho que o brasileiro não é criativo porque ele é duro. Isso às vezes me soa como desculpa para não rolar mais grana para a produção cultural. Folha - Você costuma acompanhar as novidades da música, ir a bailes funk, pesquisar movimentos musicais de rua. Isso se reflete depois no seu trabalho? Fernanda - Acho que essa cultura de rua é fundamental não só para o meu som, mas para minha dança também. Folha - E você pretende levar sua produção para esse pessoal, fazendo shows, por exemplo, em clubes funk? Fernanda - Sem dúvida. Quero fazer um show agora na quadra da Império Serrano. O bacana é esse crossover (fusão). O cara da favela cantar "Eu só quero é ser feliz, andar tranquilamente na favela onde eu nasci", tá tudo limpo. Agora, a menina do condomínio da Barra da Tijuca cantar isso é que é bacana. Tem gente que fala: "Pô, como é que você pode achar legal o funk carioca, neguinho que fala errado o português?". Eu digo: isso é o começo. Na favela sempre existiu poesia, Cartola, poetas do samba. E vão existir os poetas do funk. Falar errado é isso aí, é o espelho do que é o Brasil, a ditadura acabou com o ensino brasileiro. Acho que o Cartola, com o quarto ano ginasial, aprendeu mais do que o garoto de hoje. Folha - E de que você gosta na nova cena musical brasileira? Fernanda - Há uma certa busca de identidade, sem bandeiras, natural e intuitiva, que está rolando nos anos 90. Raimundos, Mundo Livre, Chico Science, Planet Hemp, Lenine, Suzano e Humberto F., tem uma série de pessoas fazendo um som que é universal. Folha - Você, que viveu a cena dos anos 80, não acha que a cena atual tem o conceito de rock brasileiro melhor definido? Fernanda - É isso. O bacana é que a gente não vê a cultura brasileira como uma cultura oficial "samba-banana-mulata-quintal". A gente tem uma visão de cultura bem misturada. No rock brasileiro, quanto mais mistura, mais legal. Não é que o cara agora tenha de fazer tudo com um toque de triângulo ou de Nordeste. A gente tem apenas uma carteira de identidade, mas isso não quer dizer que a gente não seja cidadão do mundo. Texto Anterior: Em "Ossos de Pizza - Patas 3", o cão Chiquinho mergulha na Itália Próximo Texto: Disco da cantora é produto enlatado pronto para ser exportado Índice |
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