São Paulo, quinta-feira, 30 de novembro de 1995
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Leia o relatório da PF encaminhado a Jobim

Leia o relatório encaminhado por Vicente Chelotti ao ministro da Justiça, Nelson Jobim:

Ofício 768 GAB/DPF/DPF
Brasília, 24 de novembro de 1995.
Senhor ministro,
Conforme determinação contida no ofício nº 2093/MJ, de 23.11.95, encaminho a v.exa. as respostas aos quesitos formulados por esse ministério.
Respeitosamente,
Vicente Chelotti
Delegado de Polícia Federal
Diretor do DPF
Respostas ao quesitos formulados pelo MJ
Questão 1
O relatório informa que as investigações tiveram como origem em "telefonemas anônimos" recebidos pelo sr. delegado Mário, os quais davam notícias que "JC tinha ligações com países como EUA, França, e as cidades de Corumbá, Várzea Grande, Rio de Janeiro e São Paulo...". O sr. delegado, em ofício de 11 de agosto solicitou ao Setor de Operações Sedop/DF a "realização de investigações sobre insistentes denúncias anônimas... que um certo 'Julio Cesar', vulgo 'JC', usuário dos telefones 248-0610 e 986-2127, estaria realizando tráfico de drogas..."
1.a) Quantos "telefonemas anônimos", relativos ao objeto do relatório, foram recebidos pela autoridade?
R. Foram cerca de cinco telefonemas.
1.b) Em que datas e horários foram tais telefonemas recebidos?
R. Não é possível precisar das datas e os horários, haja vista a falta de registro desses dados. Entretanto, pode-se afirmar que os telefonemas ocorreram nos meses de julho e agosto do corrente ano, no horário de expediente.
1.c) Foram tomadas providências no sentido de se saber a origem dos "telefonemas anônimos"?
R. Não. O setor não possui equipamentos que possibilitem identificar origens de ligações telefônicas. Todavia, foi planejado contato pessoal com o denunciante, sendo certo que as normas da doutrina internacional dos organismos policiais exigem a preservação dos informantes, objetivando a segurança dos mesmos.
1.d) Em caso positivo, quais?
R. Prejudicado, face a resposta anterior.
1.e) Qual a rotina operacional atualmente observada a respeito de informações, de origem telefônica ou não, anônimas ou não? Procede-se a algum registro? Procura-se avaliar o grau de confiabilidade dessas informações? De que forma são elas avaliadas?
R. O DPF não possui um serviço especializado para recebimento e registro de denúncias anônimas, inexistindo normas que disciplinem a matéria.
Cabe a cada autoridade policial o arbítrio de proceder às investigações, sendo necessária a abertura de uma ordem de missão.
Hoje, alguns serviços criados no âmbito das secretarias de Segurança Pública, baseados em doutrinas modernas e equipados com pessoal treinado e computadores, possuem uma forma padronizada de atuação com registro de cada passo dado, a exemplo dos serviços denominados "Disque-Drogas e Disque-Denúncia".
Neste caso específico, a insistência dos telefonemas e os dados repassados foram passíveis de convencimento.
Optamos pela via mais rápida, mais confiável, com a solicitação oficial ao Judiciário, pois as denúncias davam conta que a pessoa investigada tinha ligações com alguns países e Estados brasileiros na rota do tráfico de drogas. As denúncias diziam, ainda, que tais fatos seriam constatados nos extratos telefônicos das linhas denunciadas, razão pela qual consta do pedido ao juiz a liberação dos extratos telefônicos, que serviriam de objeto de investigações futuras, caso se confirmasse o tráfico de entorpecentes.
Questão 2
O relatório informa que o sr. delegado determinou, em 11 de agosto, ao "setor de operações (que) fizesse a investigação preliminar dos terminais telefônicos..." e o referido setor respondeu no dia 22 (doc. 03) que o "levantamento" realizado conduziu ao nome completo do "assinante usuário" dos terminais, seu endereço e que do mesmo nada "foi encontrado em nossos arquivos", além de afirmar a necessidade de "maiores investigações". Observe-se que a ordem de missão é do dia 11, e a resposta do dia 22, tendo, assim, mediado 11 dias corridos e 07 dias úteis.
2.a) Como foram procedidos os "levantamentos"?
R. A carência de recursos humanos e materiais do setor, que no período contava apenas com um servidor, encarregado de outras missões, ensejou tão-somente a confirmação do nome completo e do endereço do denunciado, dados esses fornecidos pelo próprio denunciante, através de telefonema anônimo, ocorrido em data posterior à expedição da ordem de missão.
2.b) Por que esses "levantamentos" somente chegaram ao nome, endereço e registros, não tendo fornecido outros dados sobre o investigado, como sua qualificação, por exemplo?
R. Quesito prejudicado pela resposta anterior.
2.c) Por que as informações, restritas a três itens, demandaram 11 dias corridos ou 07 dias úteis?
R. Quesito prejudicado pela resposta ao item 2.a.
2.d) Foram feitas, ou não, outras investigações, sobre cuja necessidade o setor de operações referiu-se na alínea b de seu ofício de 22 de agosto? Em caso positivo, descrevê-las, e, em caso negativo, por que não foram procedidas?
R. Não. As investigações poderiam ser desenvolvidas através de várias modalidades de ações investigatórias. Após análise e estudo de situação, optou-se pela vigilância eletrônica, considerada a mais adequada para o caso, por exigir menor custo e pela sua eficácia.
Questão 3
O relatório informa que "elegendo o princípio da oportunidade" foi expedido, em 28 de agosto, "ao Meritíssimo Juiz da 2ª Vara de Entorpecentes e Contravenções Penais do DF" ofício "solicitando autorização com alvará de escuta nos terminais..." O ofício fez-se acompanhar de "relatório" no qual são narradas as providências preliminares.
3.a) Qual o sentido utilizado na expressão o "princípio da oportunidade" que teria orientado o requerimento ao juízo da 2ª Vara?
R. O "princípio da oportunidade" é a situação que exige a adoção de providências capazes de proporcionarem resultados positivos, tempestivamente.
3.b) Por que foi formulado pedido ao juízo da vara do Distrito Federal e não a juízo da Vara de Justiça Federal, tendo em vista que o relatório (item 3) afirma que as informações anônimas dão notícias de "ligações" com o exterior? (Observa-se que disposto no art. 27 da lei nº 6.368/76, a contrario sensu, atribui competência à Justiça Federal para a hipótese. Ver Súmula 522, STF).
R. Objetivamente, a denúncia não teria suporte para caracterizar o tráfico internacional, haja vista que grandes apreensões como, por exemplo, o caso das 7,5 (sete toneladas e meia) de cocaína apreendidas no Estado do Tocantins, o juiz competente foi o estadual. No caso específico, poderia ser um "braço" da rede de traficantes no Distrito Federal, razão pela qual não ter havido equívoco no acionamento da Vara Especializada do Distrito Federal.
3.c) Além do requerimento e do relatório, forma prestadas ao senhor. dr. juiz da 2ª Vara outras informações sobre o pedido ou o sr. juiz considerou suficientes os elementos contidos no ofício e relatório?
R. O juiz considerou suficientes os termos dos documentos apresentados.
3.d) Qual a rotina e a praxe adotadas em relação a pedidos de alvará de escuta especialmente quanto às exigências para viabilizar o seu deferimento?
R. Ante a reunião de dados indicativos da possível prática de delito, a autoridade policial, a seu arbítrio, elabora ofício ao Poder Judiciário, entregue em mãos, solicitando autorização da vigilância eletrônica, que, a seu critério, o mm. juiz defere ou não.
Questão 4
O relatório (item 05) informa que "em 1º.09.95 começaram as gravações cujas transcrições acompanham... com a respectiva fita" e que as mesmas haviam se encerrado... no dia 27.09.95 (item 09), informa, ainda, o relatório que "o material degravado foi entregue ao serviço de análise que opinou pela existência de tráfico de influência, conforme relatório final das 13 degravações que lhe foram entregues".
4.a) A fita que acompanha o relatório é a original ou é uma edição? Na hipótese de ser uma edição, que seja enviada a original no monitoramento do terminal telefônico dos dias 01 a 27.
R. A fita que acompanha o relatório é uma reprodução das conversas mantidas pelo investigado com vários interlocutores, feita a partir das fitas utilizadas diariamente no processo de escuta telefônica. As demais conversas captadas nestas últimas foram totalmente desconsideradas e desmagnetizadas, por se tratar de diálogos corriqueiros mantidos por serviçais da residência do investigado.
4.b) Considerando que o terminal telefônico encontrava-se em uma residência, por que, durante os 27 dias de monitoramento, somente foram registradas 13 ligações telefônicas, constantes da fita e das degravações?
R. As gravações foram realizadas entre os dias 01 a 22/set/95. As conversações ocorriam pela manhã, cedo, raramente no almoço e à noite. No período de 13/set a 21/set o investigado estava viajando e as conversações foram desconsideradas porque apareciam somente conversas da empregada ou com a empregada. Ademais, as fitas utilizadas eram de 60 (sessenta) minutos de duração e, como só eram substituídas a cada 24 horas, no mínimo, deixaram de captar conversas em razão do término de sua capacidade.
Obs.: Observe-se que o relatório, no item 08, informa que o "serviço de análise... opinou pela existência de tráfico de influência conforme relatório final das 13 degravações que lhe foram entregues". A parte grifada retro pode autorizar a suposição da existência de outras gravações que não foram entregues ao referido serviço, ou não?
R. O material entregue para o serviço de análise elaborar o relatório final analítico, foi um resumo de cada uma das 13 conversas mantidas pelo investigado.
Questão 5
Informa o relatório que, "entre os dias 12 e 13 de setembro de 1995, ao examinar o resumo das degravações, e ouvindo a fita, constatei que não se tratava de um caso de tráfico de entorpecentes e que a pessoa cujo telefone estava sendo monitorado era embaixador com relações junto à Presidência da República, quando então o material degravado foi submetido a apreciação do mm. juiz (...) isso só veio ocorrer por volta de 21.09.95. Após o exame (...) por parte do juiz, o mesmo concluiu que o assunto não dizia respeito a tráfico de entorpecentes, decidindo pela imediata suspensão do monitoramento, formalizado... em 21.09.95, e recebido por volta do dia 29.09.95".
5.a) Ao constatar que o "monitorado era embaixador com relações junto à Presidência" o sr. delegado reteve essa informação para si ou passou-a a algum superior hierárquico? Em caso negativo, por quê? Em caso positivo, para quem, quando e de que forma?
R. No referido período, foram feitas algumas tentativas de manter contatos com o mm. juiz da 2ª Vara de Entorpecentes, tentativas estas frustradas, só sendo possível em torno do dia 21.09.95. Não foi mantido contato com o superior hierárquico porque primeiramente necessitava levar ao conhecimento do juiz, após o que o mm. juiz também concluiu que não se tratava de tráfico de drogas e decidiu pela revogação da ordem. Em seguida, esperou-se a conclusão de todos os atos de rotina dos trabalhos desenvolvidos pela área operacional e analítica, para ser encaminhado ao juiz e ao diretor do DPF.
5.b) Houve algum contato pessoal do sr. delegado com o sr. juiz de direito durante ou após a apreciação, por este, do "material degravado"? Em caso positivo, qual o teor desse contato?
R. O contato mantido com o mm. juiz só ocorreu a apreciação do material degravado, exatamente no dia 21/set/95. O teor do contato foi no sentido de apresentar a sua excelência, conforme o determinado no ofício de autorização, o resultado dos dados obtidos.
Questão 6
Informa o relatório que "diante de fatos que não diziam respeito à área de entorpecentes, fizemos chegar às mãos do diretor-geral de Polícia Federal as referidas degravações em meados de outubro" (item 10).
6.a) Por que o sr. delegado somente deu ciência dos fatos ao seu diretor-geral "em meados de outubro", tendo constatado os fatos "entre os dias 12 e 13 de setembro"?
R. Os trabalhos só foram conclusos no dia 02/out, quando foram adotadas as providências formais encaminhadas ao juiz. O diretor-geral encontrava-se em viagem oficial à China, tendo retornado no dia 13. Só foi possível comunicá-lo no dia 20 depois do expediente normal, ou seja, após as 18 horas.
Questão 7
O relatório informa que o sr. diretor-geral recebeu o material "em meados de outubro".
7.a) O senhor diretor-geral, ao receber o material, tomou alguma providência? Em caso positivo, qual?
R. Não foram tomadas providências imediatas, face às constantes viagens do ministro e acúmulo de documentos a serem despachados, motivados pela ausência prolongada de 13 dias (viagem à China), além de ter que administrar com prioridade o "caso Mirândola", e de viagem feita nos dias 26 e 27/out, só sendo possível levar ao conhecimento do ministro da Justiça no dia 13/nov. No dia 22/nov, foi entregue ao exmo. sr. ministro da Justiça todos os documentos relacionados com o caso, acompanhados de um relatório circunstanciado.
7.b) Por que o sr. diretor-geral não deu ciência imediata ao sr. ministro da Justiça sobre o assunto?
R. Primeiro porque o ministro se encontrava viajando - 19 a 24, segundo porque ao examinar o material (resumos dos diálogos) não se vislumbrou, em tese, tráfico de influência. Seria necessário aprofundar a investigação para obter mais dados indicativos de cometimento de crime. Aguardou-se um momento mais propício, vez que o prosseguimento da investigação estava dificultado pela suspensão da escuta telefônica.
Questão 8
8.a) Quais são as normas e providências adotadas pelo órgão no resguardo do sigilo e confidencialidade das informações obtidas no exercício de suas funções?
R. As normas estão disciplinadas no RSAS (Regulamento para Salvaguarda de Assuntos Sigilosos), decreto 79.099, de 06 de janeiro de 1977.
8.b) Ao material que acompanha o relatório, no seu todo ou em parte, tiveram acesso pessoas estranhas ao quadro desse órgão? Em caso positivo, como tal teria ocorrido e em que condições?
R. A direção do Departamento de Polícia Federal não deu conhecimento a nenhuma pessoa estranha aos quadros do órgão do todo ou parte do material que acompanhava o relatório.
Sobre este assunto foi instaurada a sindicância 017/95-1ª Comissão Permanente de Disciplina/CCJ.

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