São Paulo, quinta-feira, 30 de novembro de 1995
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Mundo provinciano gerou nova mídia

JOÃO BATISTA NATALI
DA REPORTAGEM LOCAL

"Raul Pompéia fez anteontem o que muitos outros têm feito: suicidou-se". Assim, entre o trivial e o patético, começava o relato do jornal "O Commercio de São Paulo" sobre a morte do romancista brasileiro, autor de "O Ateneu".
Ele foi sepultado três dias antes que os irmãos Lumière promovessem, no Salão Indiano do Grand Café, no Boulevard de Capucines, em Paris, a primeira sessão de cinema.
A data da projeção -28 de dezembro de 1895- é considerada como a do nascimento do cinema como indústria cultural.
Para o Brasil, 1895 foi um ano morno. Prudente de Morais consolidava aos tropeços sua autoridade como primeiro civil na Presidência da República. O projeto republicano ainda não estava amadurecido. O governo sofria pressões de militares e de setores da classe média carioca, designados, genericamente, como "os jacobinos".
Antonio Conselheiro chefiava havia dois anos a rebelião mística de Canudos, mas faltavam ainda três anos para que o Exército a sufocasse com muito sangue.
O Rio de Janeiro respirava uma atmosfera provinciana com seus 800 mil habitantes. O Brasil estava ultrapassando os 17 milhões. Machado de Assis havia completado 58 anos e Mario de Andrade, garotinho de cueiro, ainda não chegava aos três.
Os jornais de São Paulo anunciavam o loteamento do bairro de Pinheiros, com terrenos de 600 metros quadrados nas ruas Capote Valente e Cristiano Viana por apenas 360 mil réis. "Barateza em penca", comentava um dos anúncios classificados, que por força da linguagem da época eram chamados de reclames.
A agenda cultural paulistana passava tecnicamente bem longe do cinematógrafo. Nada de reprodução mecânica das artes dramáticas. O Teatro São José -localizado no mesmo terreno em que hoje fica o prédio da Eletropaulo, junto ao viaduto do Chá- apresentava "Aída", qualificada de "velha ópera do maestro Verdi" (que ainda estava vivo). O Teatro Apolo vinha com a opereta de título irreverente: "O Burro do Sr. Alcaide".
Se o Brasil era provinciano, vivia seu provincianismo ao menos de forma charmosa. Que o digam os reclames. "Fósforos para algibeira, especiais para fumantes. Não largam as cabeças no ato de acender, nem depois de queimar." Ou ainda, importados e à venda na livraria do alemão Laemmert: "Álbuns para retratos, desenhos e pensamentos."
Os Estados Unidos eram governados pelo presidente Cleveland, que acabava de ocupar o Havaí. Ainda não havia se metido na Guerra de Independência de Cuba, onde, segundo o noticiário, a ofensiva rebelde já matara 700 pessoas e estourara -"com dinamite!"- linhas de estradas de ferro.
Só em dois países -então enormes desertos demográficos, a Nova Zelândia e a Austrália- a mulher podia votar. Nos EUA, o voto feminino existia em Wyoming e Kansas. Nova York estava para adotar dentro em pouco a mesma novidade.
A Europa já vivia os lentos preparativos para a Primeira Guerra que eclodiria apenas 19 anos depois. Na Alemanha, Guilherme 2º hostilizava a Inglaterra, contrariando os bons conselhos de Bismark, que cinco anos antes caíra em desgraça e vivia retirado em sua casa de campo.
Mas os europeus também se preparavam para os primeiros Jogos Olímpicos modernos, que seriam disputados no ano seguinte em Atenas. O futebol já estava "inventado" desde 1848, um sucesso de massas ao menos britânico. O basquete, criado nos EUA havia apenas quatro anos, era uma modalidade praticamente desconhecida, mesmo no país em que nasceu.
O campeão mundial de xadrez, um alemão, chamava-se Emmanuel Lasker. O automobilismo já existia em sua forma rudimentar. Foi em 1895 que se disputou na França a corrida de 1.178 km entre Paris e Bordeaux (ida e volta), com 16 veículos a petróleo, cinco a vapor e um elétrico. O vencedor fez a média na época estupenda de 24,4 km/h.
Sigmund Freud preparava, com Josef Breuer, o livro "Estudos sobre a Histeria". O físico Albert Einstein estava com 16 anos. Thomas Mann tinha 20 e Marcel Proust 24. Eram, no máximo e com boa vontade, um cientista e dois literatos promissores.
O filósofo Friedrich Nietzsche chegava aos 51, já tendo desancado tudo o que tinha direito da clássica filosofia alemã. Mark Twain estava com 60, Max Weber com 31 e o poeta T. S. Eliot com sete.
O decano das letras, com 67 anos, se chamava Leon Tolstoi. Na música, Gustav Mahler tinha 35, era maestro em Viena, e Richard Wagner embora morto havia 12 anos, mantinha-se firme no estatuto de a mais controvertida personalidade musical.

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