São Paulo, quinta-feira, 30 de novembro de 1995
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Imagem foi instrumento da política

CÁSSIO STARLING CARLOS
EDITOR-ADJUNTO DO MAIS!

"O fato de até agora não termos ainda dominado o cinema prova o quanto somos desastrados e incultos, para não dizer idiotas. O cinema é um instrumento que se impõe por si mesmo, é o melhor instrumento de propaganda".
Nessas palavras do revolucionário russo Leon Trotski (1879-1940), escritas em 1923, afirma-se uma vocação que, mesmo já maduro, o cinema ainda não havia cumprido.
Talvez o estabelecimento de um sistema de produção fosse ainda recente. Mas, a partir do momento em que se identificou o cinema como produto para as massas, sua instrumentalização seguiu-se sem dificuldades.
Essa peculiaridade não escapou à argúcia dos dirigentes dos regimes totalitários, que fizeram do cinema um veículo de afirmação de suas ideologias.
Dois motivos foram fundamentais: o grau de inteligibilidade da imagem, permitindo a compreensão até mesmo por platéias de analfabetos (como era o caso da sociedade russa), e seu grau de persuasão, capaz de construir a realidade e criar fatos obedecendo à lógica simples da verossimilhança.
Dessa tarefa pedagógica incumbiram-se com ardor artistas como Eisentein e Pudovkin, que, em filmes como "A Greve", "Encouraçado Potemkim" e "Outubro" (do primeiro) e "A Mãe" e "O Fim de São Petersburgo" (do segundo), trataram de definir uma estética revolucionária.
A eficácia política desses filmes no entanto era inversa ao grau de sofisticação da linguagem neles envolvida. Em 1928, o Partido Comunista proclamou o fim do "intelectualismo" e determinou a instalação de uma "austera funcionalidade expressiva", que define o código estético oficial -o "realismo socialista"- a partir de 1934.
A sujeição do cinema a este código se inicia um pouco antes, com "Contraplano", em 1932, que narra a luta de um grupo de operários para construir uma turbina. Aí já vigora o esquematismo dramático característico da teoria do "tipo proposta pelos ideólogos do regime, na qual se apagava qualquer traço de densidade psicológica dos personagens para transformá-los em lemas ambulantes.
A eficácia do novo código veio com "Tchapaiev", épico de 1934 que narra os feitos de um herói da guerra civil convertido ao Exército Vermelho e que foi saudado como filme-exemplo em editorial do "Pravda", órgão oficial do Partido Comunista.
Com seu sucesso seguiu-se uma onda de filmes históricos que tinham, assim como os "tipos", a função de difundir "valores úteis à coletividade", narrando ações heróicas ("Os Marujos de Cronstadt", de Dzigane).
Depois da Segunda Guerra essa síndrome do herói se condensará em torno da figura única e tentacular de Stálin. Desde 1938 sua imagem já frequentava as telas soviéticas, mas foi com "A Batalha de Stalingrado" que ele foi alçado à condição de mito, chefe implacável capaz de definir estratégias militares e vencer os alemães como um super-homem.
Às intenções de Goebbels não poucos artistas se submeteram. Alguns, como Karl Anton, se ocuparam da imitação de modelos soviéticos. O cinema hitlerista, porém, conquistou alguns talentos, como Leni Riefensthal. Essa nadadora forjou a imagem do mito ariano, estetizando o culto à força presente no esporte ao registrar as competições olímpicas de 1936 em "Olimpíadas". E fixou os ícones oficiais do nazismo, sua aparência de culto pagão, em "O Triunfo da Vontade", registrando o congresso do Partido Nacional-Socialista, em Nuremberg, em 1934.
Neste filme, Riefenstahl leva ao ápice o esforço nazista de estetização, de investimento na imagem como sustentáculo do discurso. "Os preparativos do congresso foram estabelecidos em conjunto com os trabalhos preliminares do filme, isto é, o evento foi organizado de maneira espetacular, não somente enquanto reunião popular, mas também de tal maneira para servir de material para um filme de propaganda... O desenrolar das cerimônias, o plano, muito preciso, das paradas, dos desfiles, dos movimentos de multidão, da arquitetura dos monumentos e do estádio, tudo isso foi determinado em função da câmera", declarou a diretora.
E outros grandes diretores como Howard Hawks e William Wyler investiram na tarefa de constituir tipos de apelo popular como o camponês bom de tiro de "Sargento York" e a família inglesa lutando pela sobrevivência sob os bombardeios em "Rosa da Esperança". Era o reforço que faltava aos pelotões.

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