São Paulo, quinta-feira, 30 de novembro de 1995
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Prêmio estimula guerra por mercado

AMIR LABAKI
DA EQUIPE DE ARTICULISTAS

Quando respectivamente em 1927 e 1932 o Oscar e a Mostra Internacional da Arte Cinematográfica de Veneza foram criados, o que estava em jogo era instituir, de forma pioneira, algum tipo de premiação que elevasse o status público do filme como arte.
Sete décadas depois, o circuito internacional de festivais e prêmios abarrota aos milhares o calendário. São eles as grandes vitrines da concorrência entre os filmes por um naco qualquer do hiperinflacionado mercado audiovisual deste fim de século. Entre a estética e a economia, mas sempre em mostras e disputas, assim caminha o cinema.
A agenda anual de festivais é um labirinto. Abre um por dia. Tem para todo mundo: festas para grandes estrelas ou para nenhuma, disputas das mais genéricas às mais específicas (comédias, filmes românticos, policiais, sobre jazz ou mesmo sobre vida na água e até na neve).
É indiscutível: todo produtor almeja lançar seu novo filme num grande, bom ou até mesmo apenas simpático festival, que lhe abra ao menos uma fresta do cinemercado planetário.
A meca cinematográfica fica na Riviera francesa, exige visitas anuais em maio e chama-se Cannes. Uma pesquisa especial publicada em setembro pela "Variety", a bíblia do showbiz, prova: os cem profissionais de cinema do mundo inteiro ouvidos (produtores, vendedores, distribuidores, de portes variados) citaram unanimemente Cannes como parada obrigatória.
Depois do Oscar, a Palma de Ouro é de longe o troféu mais cobiçado. Para muitos, porém, tem quase o mesmo sabor receber um boa resenha na imprensa especializada ("Variety", "Moving Pictures", "Cahiers du Cinéma") ou comum ("Libération", "Le Monde"). Cada vez mais, no frenesi das mostras, o importante é marcar presença.
Explica-se: a decadência das competições é o grande traço comum contemporâneo dos grandes festivais. A geopolítica tem prevalecido sobre a estética. Disputa que se preze tem que apresentar uma seleção de títulos que, ano após ano, represente todos os continentes.
Uma competição politicamente correta hoje, em Cannes, Berlim ou Veneza (os três grandes), tem cerca de 20 filmes, metade dos quais europeus, quatro ou cinco americanos (quanto mais independentes, melhor), e o restante repartido entre a América Latina, África, Ásia e Oceania. A ciranda de "novas ondas" (chinesa, formosina e iraniana foram as últimas) amolda-se muito bem a esse critério. A essa camisa de força, junta-se outra: a da política dos autores. Quanto maior o número de cineastas já conhecidos, melhor.
É assim que as competições dos três grandes parecem-se cada vez mais com um jogo de cartas marcadas, no qual a imprevisibilidade do original tem pouquíssimo lugar. Em geral, o vencedor de Cannes é um filme de cineasta consagrado ou em ascensão com bom potencial de mercado, o de Veneza, é de um diretor esteticista em busca de um prêmio para a consagração mundial, o de Berlim -bem, em Berlim, vive-se hoje um autêntico vale-tudo.
O panorama, assim, é excelente para os festivais de segundo porte mas ainda da primeira divisão, como Roterdã, Locarno e Sundance, que concentram todas suas fichas na revelação de jovens talentos e de cinematografias desconhecidas (aqui, um pouco menos o Sundance, dedicado prioritariamente aos independentes americanos).
Os três grandes não demoraram a perceber a cilada autoimposta. A estratégia tem sido o crescente fortalecimento das mostras paralelas, direta ou indiretamente vinculadas à organização principal. É assim que há anos o pólo principal de descobertas de Cannes tornou-se a Quinzena dos Realizadores e a seção Um Certo Olhar, de Berlim, o Fórum do Novo Cinema, e de Veneza, a recente Janela Para a Imagem.
O fortalecimento do mercado de filmes tem sido outra arma. A aposta está na segmentação. Cannes ainda lidera dentro de sua estratégia generalista, abraçando do filme de arte à produção pornô, no que vem sendo seguida de perto por dois mercados específicos para a indústria: o American Film Market (Los Angeles) e o Mifed (Milão). Nota: na pesquisa da "Variety", estes três eventos monopolizam o topo de todas as listas.
Veneza ainda resiste a abrigar um mercado, mas Berlim vem com sucesso desenvolvendo um exclusivamente europeu. Em Havana, o mercado latino-americano tem quase tanta importância quanto a competição e, em Tóquio, um dos sinais da decadência do evento foi não ter organizado neste ano aquele que vinha se definindo como o mais importante mercado da produção asiática (décimo lugar no ranking "Variety"). Por sua vez, Roterdã e Locarno têm apostado com lucro numa espécie de mercado futuro, no qual se catalizam os melhores filmes em projeto ou em pré-produção.
Como se situam os festivais brasileiros neste caleidoscópio planetário? Pela crise da produção nacional, Gramado foi levado a latinizar-se, perdendo a importância interna sem conseguir dar o salto para o reconhecimento externo. Saiu ganhando o festival de Brasília, que se tornou o grande evento dedicado exclusivamente ao cinema brasileiro.
A Mostra Internacional de Cinema em São Paulo arrisca maiores vôos há dois anos criando uma competição para jovens diretores, ainda que os critérios de premiação exijam aperfeiçoamentos. Já a Mostra Banco Nacional de Cinema, que deve estrear novo nome em 96, estabilizou-se como um bem organizado festival de lançamentos de títulos, com uma que outra atração extra.
Os dois eventos que mais se fortaleceram recentemente foram o Festival Internacional de Curtas-Metragens de São Paulo, o maior da América Latina e um dos cinco principais para o formato no mundo, e o RioCine, que apostou e acertou em se tornar um fórum para a produção independente, seja de cinema, TV ou vídeo. Aliás, a abertura dos festivais para além do gueto fílmico, passando a abraçar o conjunto da produção audiovisual, é uma tendência inexorável. Como certo parece ser que em breve todos poderemos assistir ao festival que quisermos, estirados na poltrona preferida, de olho no monitor da TV-computador.

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