São Paulo, quinta-feira, 30 de novembro de 1995
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Cinema europeu vive crise existencial

OSCAR PILAGALLO
DA REPORTAGEM LOCAL

Com a crescente distância entre os dois principais pólos de produção de filmes do mundo, a abordagem do cinema feito na Europa -que até os anos 80 ainda estava centrada em aspectos como afirmação cultural ou opção estética- foi definitivamente deslocada para o plano industrial.
O problema não é de hoje. Há dois anos, artigo sobre a supremacia de Hollywood no "Le Monde Diplomatique" era sugestivamente ilustrado por um quadro do século 17 intitulado "A Conquista da Europa".
Era a constatação de uma realidade que aos poucos se impunha: o cinema americano desbancava o europeu até em pequenas salas de exibição parisienses -as últimas trincheiras de resistência ao "imperialismo cultural ianque", como ainda se fala no país em que a valorização da cultura nacional chega ao ponto de o governo procurar banir expressões em inglês usadas em todo o mundo.
No início dos anos 90, mais da metade (58%) dos filmes exibidos na França já era de procedência americana, invasão que se acentuou nos anos seguintes. Em países vizinhos, a presença da produção dos Estados Unidos era ainda mais visível, com 70% do mercado, na média dos países da então Comunidade Econômica Européia.
Os números indicam que o chamado cinema de arte -que costuma ser associado ao produzido na Europa- transformou-se de selo de qualidade em estigma. Enquanto Hollywood gera um "PIB" anual de US$ 20 bilhões e ajuda a diminuir o déficit comercial americano, os produtores europeus continuam dependendo de subsídios.
A dependência é tão grande que há dois anos, quando os Estados Unidos pressionaram a Europa para pôr fim à política de subsídio à indústria audiovisual, chegou-se a temer pela sobrevivência do cinema europeu.
Como num roteiro convencional, o debate sobre cinema em fins de 1993 esquentou os últimos capítulos de uma novela chamada Rodada Uruguai do Gatt (Acordo Geral de Tarifas e Comércio), que se desenrolou por sete anos e deu origem à atual OMC (Organização Mundial do Comércio).
O fato de uma questão setorial ter ameaçado um tratado que promete elevar em US$ 250 bilhões por ano o comércio mundial até a virada do milênio mostra a importância que os europeus dão ao assunto.
Os americanos não ficam atrás. Na véspera da decisão, o próprio Bill Clinton pegou o telefone e assumiu pessoalmente o lobby de Hollywood, conversando com a linha de frente dos proponentes da "isenção cultural". Mas o esforço de última hora do presidente americano provou-se em vão.
A vitória política dos franceses -foram eles que lideraram a defesa do protecionismo- deu uma sobrevida ao cinema europeu, que pôde continuar contando com a ajuda do Estado (na época, estimava-se que cada produção francesa recebia em média US$ 1 milhão). Mas ainda assim seu futuro enquanto indústria parece ser tão incerto quanto a trama da Nouvelle Vague.
Pelo menos, é nisso que acreditam os americanos. E a força do argumento que apresentam emana de uma lógica de mercado irrefutável. Com o conforto do subsídio -raciocina-se em Hollywood-, o cinema europeu pode prescindir de grandes audiências, o que o desobriga de fazer concessões. Isso o afasta ainda mais do público, intensificando a necessidade de subsídios. É um ciclo vicioso em que, para que o espectador mais exigente possa ganhar, o contribuinte tem que pagar.
E a conta não está limitada ao que sai do Orçamento para financiar a arte. É preciso incluir também a importação de filmes americanos. Os números mostram que o comércio bilateral é praticamente uma via de mão única, com os americanos registrando um superávit da ordem de US$ 4 bilhões.
A cifra é alta demais para ser explicada só pelo fato de que o americano não lê legendas, e por isso não vê filmes europeus. Mesmo assim, houve na França quem tentasse vencer a barreira filmando em inglês, embora sem estímulo oficial. Ao contrário: desde 1993 o prêmio principal do César -o Oscar francês- só é concedido a filmes francófonos.
O resultado é que cada vez fica mais distante a possibilidade de a Europa produzir um hipotético "De Volta ao Futuro - A Missão", e retornar ao seu tempo áureo, dos anos 50 e 60, quando os cinco principais centros cinematográficos do velho continente (Alemanha, Itália, Grã-Bretanha e Espanha, além da França) conseguiram atrair mais público do que Hollywood.

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