São Paulo, quinta-feira, 30 de novembro de 1995
Texto Anterior | Próximo Texto | Índice

Século 19 quis fazer imagem se mexer

JOÃO BATISTA NATALI
DA REPORTAGEM LOCAL

Um alemão, Wilhelm Conrad Rentgen, descobre o raio X. Um outro, Karl Benz, termina o protótipo de um triciclo com motor a petróleo de quatro tempos, um dos precursores do moderno automóvel. Nos Estados Unidos, é patenteado por Gilette o barbeador com lâmina descartável.
São apenas três episódios da evolução tecnológica registrada só no ano de 1895.
Um quarto episódio -com repercussão cultural mal imaginada pelos contemporâneos- envolve o kinetoscópio, aparelho criado na França pelos irmãos Auguste e Louis Lumière, que na noite de 28 de dezembro projetou numa tela, para um público de 35 pessoas (elas pagaram ingresso), uma sequência de imagens em movimento.
A verdade é que o século 19 olhou admirado para o umbigo de seu próprio progresso. Não havia ainda algo equivalente ao mercado de massa, que se implantaria como consequência do capitalismo mais distributivo de rendas na segunda metade do século seguinte.
Mas qualquer pessoa medianamente instruída compartilhava, há 100 anos, da impressão de que os inventores eram uma espécie de deuses modernos, nascidos para facilitar a vida dos consumidores mortais.
Só entre 1870 e 1880, surgiram a bicicleta com transmissão a corrente, a borracha sintética e a versão final do aparelho de telefone.
Nas duas décadas anteriores, foram patenteados o elevador a vapor, a aspirina, a máquina de lavar louça e dois tipos de motores, o elétrico e a explosão. No setor bélico (a violência militar também se modernizava), as novidades foram a metralhadora e a dinamite.
Pouco antes ou pouco depois do cinema, surgiriam o motor diesel, o linotipo e a escada rolante. Em dois anos (1884-1885), foram anunciadas as descobertas de vacinas contra a raiva, o cólera e o tifo.
No caso do cinema, ele não nasceu de uma só vez. Foi um processo demorado ao longo de um século que aprendeu primeiro a registrar por meio químico a imagem e depois a fazê-la se mexer.
A fotografia nasceu em 1816, com Nicéphore Niepce (tempo de exposição de cada chapa: oito horas), e foi viabilizada 23 anos depois por Louis-Jacques Daguèrre.
Em 1878, 12 câmaras fotográficas disparam uma sequência de fotos e o galope de um cavalo é registrado pelo norte-americano Muybridge. Outro norte-americano, Hannibal Goodwin, patenteia em 1887 uma emulsão em fita em celulóide, invento capaz de colocar em sequência imagens fotográficas.
Dois anos depois, esse artifício é comercializado por George Eastman, na primeira câmara da longa série Kodak.
Em 1891, Thomas Edison patenteia o método kinetográfico, que projeta 40 imagens por segundo numa máquina com visor individual. O aparelho é comercializado em pequena escala em 1894.
Louis e Auguste Lumière, já proprietários da maior indústria francesa de material fotográfico, sintetizam todas essas descobertas e produzem um aparelho capaz de filmar e, em seguida, projetar imagens em movimento numa tela. Com isso, permitem que o espetáculo da imagem em movimento seja assistido simultaneamente por muitas pessoas.
O kinetoscópio registra a 19 de março de 1894 a saída dos operários da fábrica Lumière, na cidade francesa de Lyon. Em 22 de março do ano seguinte, é feita em Paris uma exibição fechada para empresários, na Associação para o Encorajamento da Indústria Nacional.
No mesmo ano de 1895 nasceria o primeiro estúdio, o do francês Leon Gaumont. Nos Estados Unidos, entre 1914 e 1918, aparecem a Columbia, a Fox e as empresas que depois se fundiriam para formar a Metro Goldwyn Mayer.
O grande capital investido passou a correr atrás da técnica. Os inventos viraram instrumento da concorrência comercial e de disputa pelo mercado.
Foi assim que surgiram, em fase experimental, o primeiro filme a cores (1910) e o primeiro filme sonoro (1921). Há 42 anos aparecia o cinemascope e o som estereofônico.
Alguns dos avanços tiveram vida curta. O cinerama, em 1952, com três câmaras de 35 milímetros rodando simultaneamente imagens que três projetores recompunham na mais panorâmica das telas, é hoje curiosidade de museu.
Maneira de dizer que o cinema não nasceu como "sétima arte". Era "business" mesmo, e o cineasta Jean-Luc Godard é um dos muitos para quem é irrelevante discutir a primazia das patentes. O cinema só virou o que é na noite em que os irmãos Lumière arrecadaram dinheiro com uma projeção.

Texto Anterior: O Brasil, sem escravos e movido a café, já rodava em câmara lenta
Próximo Texto: ALGUNS INVENTOS E A HISTÓRIA DA IMAGEM
Índice


Clique aqui para deixar comentários e sugestões para o ombudsman.


Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Folhapress.