São Paulo, quinta-feira, 30 de novembro de 1995
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Desenhos trazem uma fatia do encanto

PAULA MEDEIROS DE OLIVEIRA
DA REDAÇÃO

A idéia de que os desenhos animados são prioridade para as crianças nasceu com Walt Disney (1901-1966). Ele descobriu um mercado pouco explorado, começou a fazer animações capazes de divertir pais e filhos. O resto a gente já conhece.
"A Bela e a Fera", de 1991, concorre ao Oscar de melhor filme. É a primeira vez na história daquela premiação que um desenho animado participa nessa categoria. "O Rei Leão", do mesmo ano, está entre as cinco maiores bilheterias de todo o mundo.
Mas personagens criados no começo da história do cinema não foram pensados para uma sala repleta de crianças. Cineastas, como o norte-amerciano Winsor McCay, que fez "Gertie, o Dinossauro", pensavam no cinema como divertimento mais para adultos. As animações precediam às exibições e agradavam a gregos e troianos, fossem eles maiores ou menores de idade.
Personagens, como Pernalonga, Gato Félix e Pica-Pau -criados de início para o público adulto, por mais estranho que isso possa parecer-, caíram nas graças dos infantes. Mesmo sendo (ou talvez por isso) heróis sacanas, cheios de malandragem e astúcia.
Os heróis fizeram tanto sucesso nas primeiras décadas desse século que eles acabaram ganhando a notoriedade de estrelas de carne e osso. O tema musical do Gato Félix era bastante popular entre os adultos, que também gostavam de ler fofocas sobre a "vida" de seus heróis dos desenhos, que as revistas especializadas devassavam.
As peripécias vividas por esses personagens podem não trazer mensagens educativas, mas oferecem referências que ajudam as crianças a elaborar suas emoções.
A descoberta óbvia de que cinema é mercado e criança é público consumidor aconteceu no início da década de 20, quando a igreja (principalmente a católica), os pais e os educadores enxergaram o potencial formador que podiam extrair do cinema.
Sabiam que os filmes assistidos deixavam marcas, mudavam comportamentos e acrescentavam informações de maneira quase imperceptível e indolor. Assim, resolveram transformá-los em aliado na educação e geraram produções exclusivas para esse público. Inventaram a noção de programa infantil e a cinematografia educativa.
Naquele tempo, o cinema oferecido para os filhos era o mesmo consumido pelos pais. Os filmes eram assistidos pelos adultos nas sessões noturnas e, à tarde, pelas crianças, que tinham esse horário livre.
Com os cinemas de bairro, as distâncias eram menores e os pequenos não dependiam tanto da boa vontade alheia para se deslocar e se divertir na sala escura.
Segundo Marília Franco, 50, professora e pesquisadora de linguagens audiovisuais e educação da Universidade de São Paulo (USP), com a cinematografia educativa "foi também criado o cinema mais chato da face da terra ".
A tecnologia do cinema era usada para ensinar conteúdos do currículo escolar, que podiam ir dos ventos alísios à formação de uma cadeia de carbono, até mensagens mais edificantes, como honestidade e patriotismo.
"O problema desses filmes", diz Marília, "é que eles conseguiram tirar o prazer do espectador e, assim, destruíram a maior competência da linguagem cinematográfica." Sem a satisfação de assistir a um bom filme, a didática dos programas educativos surtia pouco ou nenhum efeito no seu público.
Em compensação abriram um caminho interessante. Produtoras estatais, privadas e mistas foram criadas para abastecer o mercado que nascia. Grandes produtoras de cinema de entretenimento criaram braços fortes que forneciam filmes para jovens educandos.
No Brasil de 1930, a movimentação dos pedagogos resultava na criação do Ministério da Educação e da Saúde Pública. E o cinema estava sendo incluído na política educacional que começava a se formar.
Em 1936 nasceu o Instituto Nacional de Cinema Educativo (Ince), depois incorporado a outros orgãos oficiais. Humberto Mauro (1897-1983), considerado o primeiro grande cineasta brasileiro e diretor de "Ganga Bruta", foi diretor técnico do Ince desde sua fundação até 1974, quando se aposentou, depois de dirigir quase de 400 filmes.
Países como Rússia e Tchecoslováquia, antes do colapso do comunismo, tinham desenhos animados produzidos por estatais. E os temas preferidos eram buscados em contos e lendas nacionais.
Bem antes disso, nos Estados Unidos dos anos 30, os desenhos começam a deixar de ser meros complementos aos longas-metragens e ganham destaque. Os estúdios experimentam novas técnicas.
"Timoneiro Willy", de Walt Disney, lançado em 1928, foi o primeiro desenho com som sincronizado e apresentou Mickey Mouse para o mundo.
O filme já estava pronto havia algum tempo, mas Disney adiou o lançamento para tirar o máximo de proveito das técnicas que surgiam. Em 1937, Walt Disney faz "Branca de Neve e os Sete Anões", o primeiro longa de animação em cores.
No Brasil, Luis Seel fez, em 1929, "Macaco Feio... Macaco Bonito" que conta a história de um macaco que foge do zoológico, fica bêbado e acaba adotado por uma família para brincar com as crianças da casa. Hoje, na opinião do animador Daniel Messias, "a animação brasileira sobrevive de publicidade; sem ela, a animação nem existiria mais por aqui."
Tentativas recentes de produção nacional para o público infantil foram até bem-sucedidas. "Os Trapalhões" e "Xuxa" alimentaram muitas tardes de férias.
A Mauricio de Sousa Produções fez dez filmes vistos por um bom público. "As Aventuras da Turma da Mônica", de 1982, foi assistido por mais de 1 milhão de pessoas no primeiro ano de exibição.
Mauricio reconhece que não explorou a força da Mônica no cinema. Sua mais recente produção tem três anos e só saiu em vídeo. "Começamos bem, mas fomos atropelados por diversos fatores, como tecnologia obsoleta e a falta de parceiros", diz ele.
É possível que, com o barateamento e a portabilidade dos equipamentos, a relação das crianças com o cinema esteja mudando. A versão 1995 do Festival do Minuto abriu inscrições para quem tinha até 12 anos. Em troca, recebeu 70 vídeos com histórias, contadas com caretas, desenhos, massinha e criatividade.
Para Marcelo Masagão, organizador da mostra, a experiência foi "tão legal", que o Minuto Kids já está incorporado ao festival. "As crianças têm dificuldade em apertar os botões, mas encontram recursos para resolver problemas que acabam virando parte do roteiro," diz ele. Dos trabalhos recebidos, 35 foram selecionados.
Assim como Disney fez todo mundo acreditar que desenhos eram coisa de criança, Spielberg provou, com "E.T." e outros, que os filmes podem servir a esse mesmo público sem chatear os adultos.

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