São Paulo, quinta-feira, 30 de novembro de 1995
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Mau esconderijo

MOACYR SCLIAR
- Eu disse a você que eles acabariam encontrando a droga -gritou o chefe.- Mas não, você não quis me ouvir. Você sempre se julgou mais esperto do que eu. Aliás, suspeito que você quer mesmo é ser o chefe. Hein? Não é isso que você quer, espertinho?
- O que é isso, chefe. Eu, tirar o seu lugar? Longe de mim tal idéia. Eu só achei que o lugar era bom para esconder a droga.
- Muito bom -ironizou o chefe- Tão bom que eles logo encontraram a coisa. Mas vamos lá: por que era bom?
- Em primeiro lugar pelo nome: Fábrica de Esperança. Quem é que vai procurar coca num lugar chamado Fábrica de Esperança? Um lugar que oferece cursos profissionalizantes e tem creche? Diga, chefe, quem é que vai procurar cocaína numa creche? Não estava bem pensado?
- Estava. E o que mais foi bem pensado?
- Bom, não era só uma instituição de caridade. Era uma instituição de caridade mantida por uma associação evangélica. Não era disfarce perfeito.
- Vamos dizer que era. E que mais?
- Bom. A coca estava guardada num forno. O senhor acha que alguém ia abrir um forno em busca de cocaína? O senhor tem de admitir que essa foi uma boa solução.
- Vá lá. E que mais?
- Agora vem o argumento decisivo. Sabe quem tinha visitado a Fábrica de Esperança? Sabe quem?
- Não. Quem? Um bispo?
- Melhor.
- Um deputado? Um senador?
- Melhor, chefe! Muito melhor!
- Quem, afinal?
- Nada mais nada menos que o presidente.
- O FHC?
- Ele mesmo, chefe. Ele mesmo.
- Mas foi por isso -explodiu o chefe- que a sua idéia fracassou. Entrou areia. Como no projeto Sivam.
- Não entendi, chefe.
- Será que você não percebeu, cara? O forno estava grampeado. Como na história do projeto Sivam. Eles acabaram descobrindo tudo. Da outra vez, você guarda a cocaína no bolso. E não bota em forno nenhum. E, a propósito, verifique se não há nenhum corvo por perto.

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