São Paulo, quinta-feira, 30 de novembro de 1995
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Congelar o Sivam

Mesmo na improvável hipótese de que o governo consiga desfazer todas as dúvidas sobre eventuais irregularidades no Projeto Sivam, ainda assim dificilmente conseguirá responder à pergunta que de fato conta: o Sivam é ou não prioritário?
Para ensaiar uma resposta a essa questão-chave é preciso percorrer os múltiplos aspectos envolvidos no projeto. No primeiro deles, o controle do tráfego aéreo, não resta dúvida quanto à importância de estabelecer-se um mecanismo de proteção ao vôo nessa extensa região. É a única, em território brasileiro, em que os aviões fazem vôo cego.
O problema, nesse capítulo, está no custo excessivo do projeto. Até mesmo o mais ardente defensor do Sivam, o almirante Mário César Flores, admite que por menos de US$ 300 milhões é possível estabelecer uma rede protetora ao vôo na Amazônia (o Sivam custará quatro vezes mais, pelo menos).
Passa-se, então, ao segundo ponto. O almirante diz que essa proteção mais barata só cobre os aviões que querem ser detectados e não alcança os que procurarem escapar aos radares, pela óbvia razão de que estão em operações criminosas (contrabando ou narcotráfico).
A questão, nesse ponto, é de outra natureza: de que adianta saber que um avião está fazendo um vôo suspeito se não há meios para reprimir o eventual crime?
O simples bom senso diz que, se o Estado brasileiro não consegue nem sequer controlar um território reduzido como o do Estado do Rio de Janeiro, menos ainda vai poder reprimir o que quer que seja nos 5,2 milhões de km2 da Amazônia.
Vem, por último, o objetivo talvez mais nobre do Sivam, o da vigilância ambiental. Não há quem, com um mínimo de bom senso, não deseje ver defendida uma área, como a Amazônia, que abriga 30% do estoque ecológico do planeta.
Aí, há dois reparos ao Sivam. O primeiro é que o instrumental previsto oferecerá pouquíssima informação adicional em relação à que já é hoje fornecida pelos satélites. E mesmo que houvesse abundância de informações novas, voltar-se-ia ao ponto anterior, relativo à repressão de ilícitos. De que adianta saber que um rio amazônico está recebendo, por exemplo, carga excessiva de mercúrio, se não há meios e homens para impedir que a poluição continue?
Sob esse aspecto, os números são de uma contundência exemplar: o Ibama, uma espécie de xerife do meio-ambiente, calcula que precisaria de aproximadamente 3.000 homens para fazer uma vigilância de fato eficaz. Tem 35.
Tudo isso exposto, a única conclusão sensata é que o Sivam tem, na melhor das hipóteses, uma prioridade altamente discutível. E sua relação custo-benefício é tão elevada que o procedimento mais lógico é o próprio Executivo tomar a decisão de congelá-lo até que todas as sombras tenham sido dissipadas.

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