São Paulo, quinta-feira, 30 de novembro de 1995
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Podres poderes

As autoridades econômicas estão ainda longe de angariar a credibilidade e o apoio necessários ao seu programa de resgate de bancos.
Entre as muitas inquietações que a atuação do BC vem alimentando, a utilização de moedas podres no programa de socorro aos bancos é uma das mais controversas. Contribui para fragilizar ainda mais a confiança do público na capacidade das autoridades lidarem com a atual crise financeira.
Como se sabe, o BC dividiu o Nacional em duas partes. A boa foi vendida ao Unibanco e a má ficou com o governo federal. Essa parte podre inclui uma dívida de cerca de R$ 4 bilhões junto ao Banco do Brasil, à CEF (Caixa Econômica Federal) e a outros bancos que, em menor proporção, vinham financiando o Nacional.
Como pretende o governo sanear o pedaço de instituição que ficou sob sua guarda? Aos poucos, com perplexidade crescente, a estratégia oficial vem a público. Sabe-se agora, por exemplo, que já sob orientação do BC o Nacional adquiriu no mercado por R$ 2 bilhões créditos podres contra o governo federal, com deságio aproximado de 60%.
Ainda não se sabe qual afinal será o rombo do Nacional ou o prejuízo que seu saneamento carreará para os cofres do Tesouro. Mas já se sabe que o próprio BC patrocina no processo o aumento dos lucros dos bancos que vendem seus ativos podres (tais como dívidas do FCVS, o Fundo de Compensação das Variações Salariais).
O círculo da perplexidade fecha-se quando surge a informação de que estão incluídos nessa oportunidade aberta pelo BC nada menos que os próprios bancos compradores. Assim, o banco que ao mesmo tempo "paga" pela parte boa de um outro recebe, ao vender ativos podres que supunha sem valor, um belo subsídio indireto. Em vez de dinheiro novo, é o BC que paga a "compra" dos bancos que estejam sob intervenção.
O governo ao mesmo tempo aceita ativos podres e subsidia indiretamente quem vende os ativos podres. A conclusão inescapável é que o prejuízo a ser transferido aos contribuintes será maior que o imaginado ou previsível até agora.
Não espanta portanto que o esforço das autoridades para obter apoio para o seu plano de socorro aos bancos seja até agora em boa medida frustrado. Quando quem exerce o poder se mostra tão condescendente com o uso de ativos podres, a própria legitimidade de quem exerce esse poder pode acabar contaminada.

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