São Paulo, sexta-feira, 1 de dezembro de 1995
Texto Anterior | Próximo Texto | Índice

Privilégios mantidos

JOSIAS DE SOUZA

BRASÍLIA - O papel, como se sabe, aceita tudo. Sobre uma folha em branco pode-se despejar qualquer coisa.
Os constituintes de 88 plantaram sobre a folha virgem alguns dos mais fantásticos delírios. Eles estão por toda a parte.
Experimente-se abrir aleatoriamente a "cidadã". Tome-se o artigo 227: "É dever da família, da sociedade e do Estado assegurar à criança e ao adolescente, com absoluta prioridade, o direito à vida, à saúde, à alimentação, à educação, ao lazer, à profissionalização, à cultura, à dignidade, ao respeito, à liberdade e à convivência familiar e comunitária, além de colocá-los a salvo de toda forma de negligência, discriminação, exploração, violência, crueldade e opressão".
O constituinte decerto pensou num Brasil sem meninos de rua. Escreveu que a família, a sociedade e o Estado deveriam fazer isso e aquilo. E imaginou que fariam mesmo. O problema é que, embora aceite tudo, o papel ainda não é capaz de transformar bobagens em realidade.
Assim, a despeito da generosidade que exala do artigo 227, as ruas continuam apinhadas de meninos de rua. Não há vacas abandonadas. Mas os meninos desassistidos estão em cada esquina.
Pois bem. Resolveu-se reformar a Constituição. Supôs-se que um dos objetivos seria o de aproximá-la da realidade. Mas há deputados que continuam abusando da boa vontade do papel.
É o caso de Euler Ribeiro (PMDB-AM), relator do projeto de reforma da Previdência. O deputado preservou em seu relatório alguns dos mais abjetos privilégios bancados com dinheiro público. Esqueceu-se que, como tudo na vida, também a capacidade dos cofres do Estado tem limites.
Ribeiro manteve, por exemplo, os institutos de previdência de congressistas, deputados estaduais e vereadores. Tais institutos permitem a aposentadoria de parlamentares após oito anos, o tempo de dois mandatos. Uma excrescência.
O projeto de Ribeiro ainda permite que funcionários públicos inativos ganhem 35% mais que o salário do presidente da República (R$ 8.500,00), teto da administração. Mais: todo inativo teria direito a qualquer vantagem oferecida ao funcionário da ativa. De duas uma: ou Ribeiro é mais um sonhador ou um irresponsável.

Texto Anterior: Chove, governo ladrão
Próximo Texto: Cadáveres emparedados
Índice


Clique aqui para deixar comentários e sugestões para o ombudsman.


Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Folhapress.