São Paulo, sábado, 2 de dezembro de 1995
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Precisamos de bancos que não precisem ser salvos

PAUL SINGER

Bancos são empresas privadas, mas não são meros negócios. Um mero negócio que quebra causa prejuízos a seus donos e empregados, eventualmente a seus credores. Mas os clientes apenas mudam de fornecedor. A quebra de um banco ou de uma série deles desencadeia crise financeira e econômica que arruina cidades, Estados ou países.
Por isso é inevitável que o governo empenhe recursos públicos para evitar desastres piores. Os que clamam "deixe que quebrem" esquecem que não são os interesses dos banqueiros apenas que estão em jogo. São os dos depositantes e tomadores de financiamento, que nenhuma culpa têm pelas dificuldades dos bancos.
Mas, se nesse momento não há escapatória, torna-se urgente redesenhar o sistema financeiro de forma a torná-lo mais seguro ou então dividi-lo entre um setor de risco, que captará recursos dos que desejam retornos elevados, embora incertos, e um setor absolutamente seguro para servir às famílias e às empresas que atuam em setores estáveis e altamente previsíveis.
A base dessa divisão é a seguinte: uma economia de mercado está sempre exposta a algum risco, que é o preço que se paga pela liberdade econômica. Esse risco está ligado a inovações, à imprevisibilidade das condições meteorológicas que determinam as safras agrícolas, à instabilidade das condições financeiras internacionais, que a desregulamentação privou de qualquer coordenação etc. Mas a grande maioria das atividades são rotineiras, e por isso mesmo estáveis e previsíveis.
O consumo das famílias tem essa característica e portanto todas as atividades que o abastecem. O mesmo se passa com os serviços públicos -as escolas, a polícia, os hospitais e centros de saúde, as bibliotecas, os tribunais etc. Financiar esse vasto setor da economia não apresenta riscos significativos e que podem ser totalmente segurados com prêmios moderados, a serem pagos por todos os usuários.
A reforma do sistema financeiro deveria dividi-lo em dois setores distintos e estanques. Um setor tipo "caixa econômica", com juros baixos de depósito e segurança total, cujo campo de aplicação de fundos estaria limitado a colocações de baixo risco. E um setor francamente especulativo, composto por bancos de negócios e outros intermediários financeiros, que teriam liberdade de competir por depósitos, oferecendo juros maiores e aplicando seus fundos em áreas com riscos. Os depósitos nesse setor não teriam seguro.
No sistema financeiro, como ele funciona hoje, os intermediários financeiros pagam juros em geral pré-fixados e têm todos os incentivos de colocar o dinheiro dos depositantes em aplicações rendosas porém inseguras. Se der certo, o lucro será dos acionistas do banco e de seus diretores. Se a aplicação der prejuízo, o Banco Central cobre e, em último caso, se o rombo for excessivo, ele será democraticamente repartido entre acionistas e clientes.
Com essas regras, o sistema financeiro tende a operar como um gigantesco cassino. Mas milhões estão participando desse cassino sem saber e provavelmente (se soubessem) sem querer. Não têm idéia do que ganham e muito menos do que arriscam, isto é, do que outros arriscam em seu nome.
Está na hora de reduzir esse cassino a proporções menores em limites conhecidos e oferecer ao público um sistema de poupança e pagamento que ofereça total segurança a um custo público mínimo. Deixar como está é que não pode.

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