São Paulo, sábado, 2 de dezembro de 1995
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É papel do governo preservar a integridade do sistema

<UN->ALVARO AUGUSTO VIDIGAL

O governo decidiu pelo mal menor ao facilitar a reestruturação do setor bancário
ALVARO AUGUSTO VIDIGAL
Antes de mais nada, a questão formulada pela Folha e a nossa resposta afirmativa devem ser bem qualificadas. O que efetivamente deve ser enfatizado é a preservação da integridade do sistema financeiro, e não o socorro a bancos individuais.
Sabemos que o sistema bancário brasileiro se desenvolveu à sombra da inflação. Captando depósitos e absorvendo recursos em trânsito num contexto de inflação elevada, os bancos brasileiros fizeram do "float" a principal fonte de seus lucros. A competição por depósitos gerou a multiplicação de agências, muitas das quais exibindo grande ostentação para atrair os clientes.
Com a estabilidade, secou essa fonte generosa de lucros e os gigantescos custos de manutenção das agências tornaram-se aparentes. A readaptação ao ambiente sem inflação levou os bancos a ampliar seus empréstimos ao público.
Vieram as medidas restritivas de política monetária, a inadimplência dos tomadores de empréstimos, e aí os bancos começaram a ter problemas. Surgem os boatos sobre a situação de determinado banco e se inicia uma corrida dos depositantes. Nessa fase, ainda que o banco seja saudável e esteja apenas enfrentando problemas circunstanciais de liquidez, o movimento anormal de saques pode quebrar o banco.
Esse é um caso típico de perda de liquidez onde, em qualquer parte do mundo, o Banco Central, na sua função clássica de emprestador de última instância, aporta recursos ao banco em dificuldades por meio de suas linhas de redesconto. É papel do Banco Central.
Diferente do problema de liquidez é o caso eventual de um problema de perda patrimonial (patrimônio descoberto), geralmente resultante de má gestão. Naturalmente, o Banco Central deve ter a responsabilidade de prevenir tais situações por meio de sua área de fiscalização.
Já os auditores independentes também têm a responsabilidade de informar precisamente a real situação do banco auditado. E quando, porém, falham esses controles preventivos, como parece ter sido o caso recente de dois grandes bancos privados? Quem paga a conta? Os depositantes e aplicadores? Nesse caso, a credibilidade do sistema cairia a zero e um problema localizado detonaria um efeito dominó que arrastaria todo o sistema, com consequências imprevisíveis sobre a economia.
É disso que se trata. O governo decidiu corretamente pelo mal menor ao facilitar -através de empréstimos subsidiados- uma reestruturação do setor bancário visando fortalecer o sistema como um todo. Nesse episódio preservaram-se os interesses dos depositantes e não dos proprietários majoritários e minoritários do banco em questão.
O custo para o Tesouro, traduzido no subsídio implícito nos financiamentos concedidos, é certamente muito menor do que aquele que resultaria de uma crise financeira em nível nacional.

ALVARO AUGUSTO VIDIGAL, 48, é presidente da Bovespa (Bolsa de Valores de São Paulo).

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