São Paulo, domingo, 3 de dezembro de 1995
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É gostoso vermos esse Santos em campo

ALBERTO HELENA JR.
DA EQUIPE DE ARTICULISTAS

Pode até acontecer de o Guarani, esta noite, despedaçar as esperanças santistas. Já vi isso acontecer milhares de vezes no futebol. Mas nem a hipótese cruel de o Santos ceder sua vaga ao Atlético-MG haverá de furtar os méritos desse time, que, num breve tempo, nos deu o prazer de rever como o futebol ainda pode ser bonito e emocionante. Sim, porque, antes de tudo, é gostoso, é aprazível, vermos esse Santos em campo.
Sua defesa, é verdade, transmite certa insegurança, a partir de Edinho, que me faz lembrar do velho Manga. Não o Manguita do Botafogo e da seleção, mas o Manga dos primórdios do grande Santos. Negro como Edinho, alternava performances inesquecíveis com falhas grotescas, mas seguiu sob os três paus anos a fio, até que o grande Gilmar chegasse à Vila para desbancá-lo definitivamente.
Mas sei lá que mágicas e truques empreendeu o nosso Cabralzinho que a linha de zaga estabilizou-se, e isso já é um grande feito. Contudo, o que mais importa é ver como a bola rola leve, ágil, álacre, de pé em pé, a partir de Carlinhos em direção a Jamelli, Robert, Vágner e Giovanni. E aqui está o segredo: Carlinhos é um segundo volante, na nomenclatura do futebol de hoje, que sabe jogar com a bola nos pés, uma raridade, convenhamos, e Giovanni é um craque como não há outro igual no futebol brasileiro atual. Aos seus pés, combinam-se na dose exata habilidade, inteligência e presteza. Há quem o considere lento.
Mas pode ser lento um jogador que dispara naquela velocidade com que Giovanni chegou outra noite diante do goleiro Wagner para tocar no canto a bola do segundo gol contra o Botafogo? E a velocidade que imprime à bola, como no toque de calcanhar, na tabela com Robert, que germinou a disparada em direção ao gol? Foi um lance exemplar, que resume tudo o que se possa dizer do futebol desse rapaz. Um lance, aliás, que Giovanni repete a cada jogo, uma, duas, três vezes.
O fato é que o Santos até pode perder hoje sua classificação para as semifinais do campeonato. Mas já ganhou o coração dos que amam o verdadeiro futebol.

Acabo de aninhar "Estrela Solitária" na estante de livros entre "O Negro no Futebol Brasileiro", de Mário Filho, e "Gigantes do Futebol Brasileiro", de João Máximo e Marcos de Castro, até então os dois únicos monumentos da literatura do gênero no país do futebol.
Já nasceu um clássico, como um daqueles Fla-Flus das obsessões de Nélson Rodrigues, pois, de cada parágrafo do livro de Ruy Castro transpiram suor e talento. Seu texto segue os passos de Garrincha no ritmo exato em que eles foram dados na curta existência do craque festejado, do mito caído, do homem arruinado. Leve, desconcertante e até mesmo frívolo como os dribles inesquecíveis do jovem Garrincha; denso e de uma crueza cirúrgica, como as sombras e os delírios que cercaram o fim de Mané.
Foi só ao virar a última página que entendi por que a Justiça brasileira mandou recolher o livro: trata-se de uma estrela solitária a brilhar nesta imensa treva chamada Brasil.

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