São Paulo, domingo, 3 de dezembro de 1995
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A invasão dos micróbios

MARCELO REZENDE
DA REPORTAGEM LOCAL

Um dos dogmas da medicina moderna, no que se refere às doenças, diz que no futuro estaremos salvos. O outro garante que a única segurança é mesmo a morte.
A oscilação entre esses dois pólos é a base de "A Próxima peste -Novas Doenças Num Mundo em Desequilíbrio", lançado no Brasil pela editora Nova Fronteira.
Editado no ano passado nos EUA, o livro se transformou rapidamente em um dos best-sellers do gênero não-ficção. E transformou a jornalista especializada em ciência Laurie Garret em um nome tão quente quanto Richard Preston e seu "The Hot Zone", que tem o vírus Ébola como tema.
Mas o Ébola é apenas um capítulo em meio a outros males, entre eles a epidemia de meningite no Brasil. O tema de Garret, como transparece, é a morte.
Narrado como romance, o livro é uma vasta pesquisa -histórica- sobre como o homem foi iludido por sua própria soberba com a segurança proposta pela tecnologia e pôde crer, ao menos durante algum tempo, que vivia em um mundo sob controle.
A idéia central de Garret é que a crença nasceu no final dos anos 50 e início dos 60, em que a noção de "Aldeia Global", formulada pelo canadense Marshall MacLuhan, se popularizava e fazia com que as distâncias entre Genebra e o Sudão se anulassem, usando como via os satélites e a TV.
Passados quase 40 anos, "A Próxima Peste" tenta demonstrar que, além de infovias e Internet, a aproximação do mundo trouxe também uma série de novos vírus que até então só haviam agido em animais (leia texto ao lado).
No caso de "A Próxima Peste", a preferência recai sobre um "thriller" de suspense e ação, e sua autora, para falar da caça ao Ébola, é capaz de delinear um cientista, desta maneira: "Piot (...) estava louco para se livrar do traje formal que seu governo lhe recomendara usar e conhecer (...) a vida noturna de Kinshasa".
Um recurso que serve para que o leitor leigo possa sentir-se atraído em direção a um tema nada agradável, como a descrição dos sintomas do Ébola. Mas que traz também uma forte impressão de sensacionalismo, baseada na idéia de um inevitável apocalipse.
O levantamento de Garret se inicia com um caso na Bolívia, onde se descobre, em 1962, que o vírus Machupo é transmitido por ratos selvagens. Uma das teses é que o aumento dos ratos aconteceu depois do uso intensivo do inseticida DDT, que terminou por matar gatos e expôs o homem, devido ao desequilíbrio, à doença.
Um dos casos que exemplificam as teorias de Garret sobre o que há de nefasto na modernidade.
Mas a globalização e suas consequências não são os únicos assuntos do livro, que explora também outros temas: diminuição das verbas de pesquisa para as doenças emergentes e ressurgentes e um certo descaso da sociedade, expondo uma série de preconceitos, de que a Aids é um exemplo.
Sua pesquisa se divide entre o fato concreto -dados numéricos alinhados- e a vontade da construção de uma nova mentalidade sobre as doenças, baseada quase que unicamente em um princípio. De que não há nada de admirável em um mundo novo. Ao menos no que se refere aos novos vírus.

Título: "A Próxima Peste"
Autor: Laurie Garret

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