São Paulo, domingo, 3 de dezembro de 1995
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Orgulho da mediocridade

GILBERTO DIMENSTEIN

Depois de quatro meses nos Estados Unidos, faço autocrítica sobre minha atividade jornalística no Brasil. A convivência com nossa indigência social provocou em mim excesso de tolerância e baixas expectativas com relação às metas do país -o que é ruim para um jornalista, obrigado a cobrar e fiscalizar.
Essa autocrítica começou a ser produzida quando senti, aqui, o tamanho da discussão sobre a crise social -e, em especial, sobre educação. O estopim, porém, foi uma pesquisa divulgada semana passada. O tema: o estado de espírito dos professores de ensino básico e secundário. Estariam eles felizes com seus salários?
De cada 100 professores norte-americanos, 63 consideram seus salários decentes. A média é de US$ 3.000 por mês: mais do que o professor universitário brasileiro e "apenas" cem vezes (repito, cem) mais do que ganham nossos professores no interior do Nordeste, ou dez vezes mais do que se paga nos grandes centros.
Daí se vê como estamos numa enrascada social que compromete o futuro econômico, condicionado, em boa parte, a um trabalhador mais educado, capaz de lidar com tecnologia.
O interessante da pesquisa é que, ao contrário do professor brasileiro (não faz tanto tempo, quando o professor entrava em sala, todos levantávamos, em sinal de respeito), o americano se sente cada vez mais valorizado. Há dez anos, apenas 35% se diziam satisfeitos com os salários.
É o resultado do pânico das elites, que, no início da década de 80, ficaram apavoradas com os avanços dos asiáticos (principalmente dos japoneses). Desde então, o tema entrou no topo da agenda política e nunca mais saiu.
Dinheiro público e privado começou a jorrar. As universidades desenvolveram currículos para as escolas, cursos para reciclagem dos professores, programas por computador. Os Estados Unidos viraram um laboratório pedagógico -não paro de me surpreender com a sofisticação dessas experiências.
O professor está melhor, os currículos, também. Cada aluno em escola pública custa US$ 6.000 por ano, no mínimo. Mas eles não estão satisfeitos: há reclamação generalizada. Sobram críticas ao nível do ensino, se comparado a países como Japão, Cingapura e Israel.
A enrascada brasileira é que, em vez de US$ 6.000, nossa meta (repito, meta), é investir US$ 3.000 por criança, por ano. Para completar o quadro de descaso absoluto, raros são os brasileiros que se indignam com esses números. Nossas elites exibem a satisfação do medíocre orgulhoso com sua mediocridade.
Acho ótimo investigarem denúncias de corrupção, como no caso Sivam. Se, entretanto, tivéssemos a mesma capacidade de indignação com temas sociais (muitas vezes mais importantes), o Brasil estaria bem melhor.

Um dos mais renomados colégios brasileiros é o Bandeirantes, localizado em São Paulo. Lá, o custo do aluno por mês é US$ 580 -quase igual ao mínimo da escola pública americana. O salário médio do professor é US$ 3.400.
Uma escola primária privada em NY custa US$ 1.000, em média, por mês, por período integral, com direito a computador em todas as salas de aula.

Por falar em dinheiro para educação e na falta dele, aproveito para contar um caso que deveria inspirar nossos empresários e profissionais liberais. Há cinco anos, a Universidade Columbia, em Manhattan, enfrentou problemas financeiros, foi obrigada a fechar alguns departamentos e reduzir atividades.
A Columbia impôs para si própria uma meta ambiciosa: reunir US$ 1,155 bilhão em doações. Na semana passada a universidade anunciou, orgulhosa, ter atingido seu objetivo. Só um ex-aluno, hoje próspero empresário, doou US$ 25 milhões.
Alguém imagina um milionário brasileiro doando US$ 1 milhão que seja para a universidade pública que o ajudou a ganhar sua fortuna?

O Citibank mantém em segredo o nome do banco de porte médio que quer comprar no Brasil.

Dom Paulo Evaristo Arns recebe na próxima terça-feira, em Brasília, o Prêmio Nacional de Direitos Humanos. Ele se notabilizou pela defesa de perseguidos políticos, mas fez mais que isso. Ele articulou no Brasil, com apoio do Unicef, a Pastoral da Criança, para combater a mortalidade infantil.
Baseado essencialmente em educação e envolvimento comunitário, o projeto beneficia 4 milhões de crianças por ano. Este programa é considerado, por especialistas da ONU, uma das mais importantes experiências em saúde pública do mundo, com ótimos resultados e baixo custo.

Recebi várias cartas de leitores de Guarulhos irritados com nota publicada na semana passada ("Mamonas Assassinas). "Sou nascido em Guarulhos e me senti bastante ofendido", reclama o dentista Plínio Augusto Tomaz. "Desrespeito", critica o advogado Romualdo Galvão Dias.
Esclareço: não quis e nem poderia ofender ninguém a partir de sua origem. Foi apenas um comentário em tom de brincadeira, feito com as devidas ressalvas. Mesmo assim, peço desculpas aos que se sentiram ofendidos.
PS - Os Mamomas já exercem influência "cultural" aqui em casa. Marcos, meu filho de oito anos, pediu ontem: "Pai, me dá 'ôitchu' dólares".

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