São Paulo, domingo, 3 de dezembro de 1995
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A resposta depende da pergunta

HENRIQUE DE CAMPOS MEIRELLES

A resposta a uma questão depende de um esclarecimento sobre qual é a pergunta. A maioria dos analistas está respondendo ao seguinte: deve o governo federal usar recursos públicos para ajudar banqueiros perdulários, incompetentes e talvez desonestos, retirando verbas para saúde, educação etc.?
A resposta óbvia é que não. Uma resposta positiva seria não só um absurdo, mas um escândalo. Tenho lido artigos inteligentes constatando essa obviedade e enfatizando quantos hospitais, creches, salas de aula poderiam ser construídos com a ajuda supostamente dada a uma família de banqueiros.
A pergunta suscitada pelo Programa de Estímulo à Reestruturação e ao Fortalecimento do Sistema Financeiro Nacional (Proer), no entanto, é outra. Quando o Banco Central intervém numa instituição financeira com problemas deve proteger o pequeno depositante? O grande investidor é bem informado e não se deixa surpreender por quebras de bancos. Essa questão não tem resposta simples, pois seus contornos éticos, políticos e econômicos têm desdobramentos complexos.
Eu entro nessa polêmica com grande isenção, pois quanto maior a insegurança dos depositantes com o sistema financeiro privado nacional, maior número de clientes correm para depositar seus recursos no banco que dirijo. Isso irrita algumas pessoas, mas é um movimento compreensível e inevitável, pois a maioria dos bancos estrangeiros aqui presentes são de países onde não só os bancos centrais protegem os depositantes, como as economias estáveis e sem intervenções governamentais abruptas permitem tranquilidade a eles.
Além disso, a transparência dos balanços adiciona um fator extra de segurança. Não há quebra de bancos imposta com prejuízos aos pequenos depositantes ocorrida em passado recente nos países do Primeiro Mundo. Portanto, quando o Banco Central do Brasil anuncia que protegerá os depositantes de um grande banco nacional, isso prejudica meus interesses profissionais imediatos.
Dito isso, tenho isenção para formular as perguntas reais que são: deve o governo arriscar-se a provocar uma crise no sistema financeiro nos moldes venezuelanos? Será viável um governo aceitar o risco de que a quebra de uma segunda instituição financeira de grande porte gere uma corrida geral aos bancos, levando a uma potencial destruição do sistema financeiro privado nacional?
Qual o preço final a ser pago pela sociedade num quadro como esse, como resultado de prejuízos a depositantes, desorganização do sistema de crédito e, em consequência, de toda a produção? Não será então o governo forçado a estatizar o sistema "à la Venezuela" pagando um preço várias vezes superior?
O Banespa mostra o risco e o custo dessa rota. Quantas escolas, creches, hospitais seriam construídos com o que foi enterrado no Banespa e em outros bancos estatais? O bom senso responde que a resposta à pergunta tema, quando corretamente explicitada, é sim.
O governo deve ter a faculdade de proteger os depositantes para preservar o sistema financeiro. É evidente que algumas suposições são fundamentais: o banqueiro não deve ser protegido, deve ser afastado, perder a sua empresa e colocar seus bens à disposição do governo para cobrir eventuais prejuízos.
Há outras questões que não devem ser confundidas com essa. Por exemplo: a pergunta de parlamentares se houve ou não custo ao erário pela intervenção no Nacional e, em caso positivo, de quanto. Isso é outra coisa: é a demanda por transparência pela sociedade, que deve ter acesso a dados reais.
Mas ela também deve ser informada das reais perguntas. O que há subjacente a toda essa polêmica é: houve uso indevido de recursos públicos para beneficiar grupos privados? Isso é outra história, como se diz no Reino Unido: deve-se confiar no "governor" do Banco da Inglaterra, do contrário ele não deveria ter essa posição. A sociedade não deve dar tanto poder a quem não confia.
Mas qual é a solução? Como evitar dispêndios com a manutenção do sistema financeiro para que tais recursos sejam usados em outras demandas sociais? A solução é simples, o que não quer dizer que seja fácil. O BC deverá mudar todo seu sistema de fiscalização.
Conheço bem o assunto, pois recebo inspeções de dois bancos centrais: o brasileiro e o americano. Os inspetores do Federal Reserve Board (FED) concentram-se fundamentalmente na preservação da saúde e do patrimônio da instituição, visando proteger os depositantes. Eles têm o cuidado de observar criteriosamente a carteira de crédito, fazendo uma classificação da situação financeira de cada empresa devedora; as operações de tesouraria são escrutinadas, onde são analisados os papéis que estão em carteira, os riscos a que a instituição está exposta por mudanças das taxas de juros, câmbio etc. Em qualquer caso, o FED pode mandar reduzir ou mudar posições, cobrar empréstimos etc., caso decida que haja necessidade.
Outras áreas chaves de um banco são dissecadas, como controle de risco, tecnologia e segurança das operações, além da contabilidade, que sofre uma auditoria completa. No final, apresentam um relatório completo e detalhado sobre a situação do banco analisado.
A apresentação das conclusões da última inspeção em nosso banco, em setembro, gerou euforia em nossa equipe gerencial pela ótima avaliação que recebemos. Uma nota alta dada pelo FED representa um atestado de seriedade, competência, visão, talento e prudência na gestão dos recursos do público.
O BC, no entanto, faz uma inspeção que é resultado de nossa história de governos intervencionistas. Como as autoridades usam os bancos como braços de sua política monetária e cambial, os fiscais ficam assoberbados, checando cada detalhe das atividades em busca de qualquer desvio das políticas governamentais, como prazo mínimo de CDBs, indexação de empréstimos, volume aplicado em crédito rural etc.
Muitos fiscais são duros, sérios e honestos; só que eles analisam tudo, menos o fundamental -que é a saúde da instituição. Além disso, até as últimas mudanças o BC não tinha poder para adotar qualquer ação preventiva.
Resumindo: é necessária uma mudança radical no processo de fiscalização do sistema financeiro pelo BC. É a única forma de a sociedade prevenir-se contra surpresas que a forçam a escolher entre a solução ruim e a desastrosa.

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